quarta-feira, 27 de junho de 2012

A música e nós


Ontem fui a um concerto na Sala São Paulo e saí querendo escrever um tratado sobre música. Não sobre música em si, por motivos óbvios, mas sobre nossa relação com ela. Contudo, a coisa mais longa que escrevi mal encheria um panfleto e, ao me lembrar disso, tratei de usar meu “poder” de síntese e tentar comunicar meus arroubos epifânicos em uma ou duas páginas, na qualidade atual de cronista amador.

É impensável um mundo sem música. Eu, e tenho certeza que muita gente, já acorda com alguma música na cabeça. Uma das grandes vantagens da modernidade é que dá para apenas virar para o lado e, em uma dúzia de teclas e cliques, ouvir qualquer versão que você quiser daquela música na mesma hora.
E ficamos ruminando músicas o dia todo. Somos cercados de sons, que quando entram em concordância, são reconhecidos instintivamente e de imediato como entidade imprescindível e parte integrante de nós mesmos. Claro que dependendo das experiências auditivas e vivências que a pessoa teve durante sua existência, a interpretação de “sons concordantes” pode variar muito. Apesar disso, acredito que, quando uma pessoa está com sua atenção voltada para determinado estímulo, no caso sonoro (ou seja, está plenamente consciente, sem pensar na morte da bezerra ou no que vai fazer se ganhar na mega-sena) quando a harmonia é atingida, ela é intuitivamente percebida. Não precisa de nenhum conhecimento prévio para isso.
               
  Ontem isso ficou bem claro pra mim. Meu conhecimento sobre música erudita é bem limitado, mas com atenção, e certamente por mérito dos músicos, do regente e do idealizador do concerto, aquilo me dava a impressão de poder se passar tranquilamente por popular. Era a sabedoria buscando naturalmente a harmonia, a arte dando o exemplo nítido de que o bom e o belo se tornam justos por conceito, e dando por fim uma sensação de paz, que é a razão última, direta ou indireta, de qualquer atitude do ser humano.
Paz esta que pode ser alcançada pela música de outras formas. A sensação não foi muito diferente de fazer parte do maior karaokê humano de que já participei, entoando Na na na na, hey Jude! Debaixo de um temporal, durante 7 minutos, que poderiam durar 70, no final do show do Paul McCartney. Ou cantar de cabo a rabo todas as músicas de Los Hermanos na companhia de grandes amigos na turnê que fizeram pelo Brasil. Ou ainda ouvir João Gilberto cantando baixinho, embalando o sono santo de vários dias; um reggae na república, ou num luau na praia.

A música exerce tanta influência em nossa vida, que os comerciantes, sabidos que só eles, criaram em certas lojas um sensor na etiqueta das roupas, que quando você vai prová-las, é lido e começa, no provador, a tocar músicas que estimulem a compra. Por exemplo: você vai provar uma bermuda de praia e quando entra no provador, começa a tocar uma música do Jack Johnson.
 Não é a toa que elegemos músicas de nossas vidas, músicas de namoro, da época de faculdade, que nos fazem lembrar momentos, pessoas ou lugares. O mais interessante é que todos podemos não só apreciar como também fazer música. Alguns talvez não desenvolvam habilidades técnicas para tocar algum instrumento, (o que no fundo é só uma questão de vontade e muito treino) mas todos tem um potencial latente e único: a voz, que é definitivamente o instrumento musical mais incrível que existe, talvez por ser o único não criado pelo homem.  É só compreender o que cabe a cada um. Não poderia a Fernanda Takai cantar as músicas da Janes Joplin, ou o Zé Ramalho ser vocalista dos Bee Gees, mas todos são igualmente eficientes, e agradáveis por reconhecerem seus potenciais
                
As experiências vividas são ditas únicas e intransferíveis, com toda a razão. No entanto, com um pouco de esforço, há de se transmitir um pouco das sensações e aprendizados dos grandes e singelos momentos, não para que aprendamos com erros e acertos alheios, mas para ficarmos mais vigilantes quando circunstâncias similares nos aparecerem à frente. A atenção é de certa forma uma virtude, que quando empregada da maneira correta pode nos fazer entender muito mais sobre música e nós mesmos.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Crônica n. 50


Esta é uma crônica que tem tudo pra dar errado, fadada a ser uma grande porcaria. Já começou mal, com um título pretensiosamente grandioso, o que já furta a gênese do propósito das crônicas. E quando ganha peso (pô, Pedrão, 50 crônicas?! Agora vai, hein!) não presta, porque ela é conceitualmente leve, mesmo que trate de assunto sério.
 Oras, pra que mesmo serve uma crônica? Por que, raios, deveríamos ler uma crônica? Ou pra que alguém se submete a escrever um troço desses? Porque será que ela fica relegada à última página dos cadernos dos periódicos, ou perdida em meio a uma notícia sobre a excursão das baleias francas ao litoral brasileiro e uma propaganda das Casas Bahia? Uma crônica, apesar de geralmente se referir a um fato concreto, notícia por natureza, nunca terá seu conteúdo revelado na manchete do jornal.
Mas elas devem ser respeitadas, e faço desta crônica em particular, uma metalinguagem propagandista, como um samba de Vinícius, ou um poema de Drummond (no propósito, não na qualidade, evidentemente); defendo o gênero com unhas e dentes, e que sejam eles o bom-humor e a reta palavra.
                
O cerne é narrar um fato cotidiano, e embutir nele algum senso crítico, uma reflexão, ou uma sacada humorística qualquer, que nos aproxime uns aos outros e nos lembre de que apesar de estarmos vivendo cada um seu contexto, sua história, somos pessoas muito similares. Que esteja a zona do Euro em crise, a Antártida derretendo, outra Galáxia sendo descoberta, ou o Neymar jogando bem (ou mal), há muita coisa acontecendo conosco e em nossa volta, que só se tornam pequenas porque nos induzem a pensar assim. 
As redes sociais deram um jeito de que conseguíssemos uma auto-elevação ao “status” de notícia, mas isso já é outra história, não digo nem que é bom nem ruim. Tudo (ou quase tudo) tem seus dois lados.
Contudo, isso não é só obra da não-ficção, noticias, reportagens e afins. A ficção também tem lá sua culpa. Os heróis que as histórias nos contam são sempre produto de um desastre de laboratório, ingestão de um produto químico, irradiação, cruzamento de humano com alienígena ou coisa que o valha. E com seus super-poderes salvam o planeta, ou pelo menos os Estados Unidos. Qual o estímulo que temos para valorizar nossas histórias, e contá-las? Passamos nós mesmos por nossos desafios diários, trapalhadas na festa da firma, términos de namoros, pisamos na merda indo para um batizado, presenciamos a morte de alguém, choramos, rimos, relevamos, seguimos vivendo, sentindo múltiplas emoções desencontradas e, apesar disso, somos levados a acreditar que isso tudo é muito banal.
               
A crônica existe para nos divertir, ao passo que, por vezes, nos induz a uma ou outra reflexão de maneira leve, não enfiada goela abaixo. Não vai falar nunca sobre um assunto qualquer que não nos parece dizer respeito, sobre as quais não temos poder de ação. Vai sempre nos puxar de canto, seja lá onde nossa cabeça estiver enfiada, lá nas nuvens, debaixo da terra, num passado remoto, ou, como na maioria das vezes, em assuntos que não dependem da gente, e dizer: “Olha que coisa curiosa que aconteceu comigo ontem! Com você também já ocorreu? Será que todo mundo é assim? Ah! A gente não presta mesmo...”
               
  E que não falte assunto para as próximas 50!

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.