quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Partida

O que é que se quer dizer na hora da partida? O que é que se deve dizer? Seria mais fácil se houvesse um protocolo a seguir. Mas na condição e dimensão humana, faz-se impossível sequer prever a linguagem que traduzirá aquilo que se sabe que não vai conseguir ser dito. O abraço apertado, o nó na garganta, o choro garantido. Lágrimas nada mais são do que a alma transbordando através dos olhos.

Preparar-se seria inútil. Partidas são inevitáveis, e a preparação adequada ainda não foi desvendada pelas mais sérias correntes científicas ou filosóficas. “Agora vai”, não tem jeito, é quase um parto, não tem volta. Não partir não pode ser uma opção. E a certeza de que tudo valeu a pena por ora não acalenta, faz doer ainda mais.

“A indesejada das gentes”, caro Bandeira, não é outra senão a despedida, e não a morte, onde um dos participantes não sofre mais. Quantas vezes serão necessárias para acostumar-se às partidas? Todas. A saudade não permite ensaio, não admite experiência prévia, e se renovará a cada vez.

O tempo, senhor absoluto na arte da cura dos padecimentos da alma, ao mesmo tempo em que ameniza a dor das partidas, nos dá o prazer das novas chegadas, que um dia também partirão. E é assim que funciona o que se convencionou chamar de vida, a qual na marra nos faz reconhecer que a única coisa que realmente importa são as pessoas, e mesmo elas, um dia vão embora. Que diremos das outras coisas, tão mais provisórias?
               
Tem gente que chega pra ficar, tem gente que vai pra nunca mais...e assim chegar e partir: são só dois lados da mesma viagem. O trem que chega é o mesmo trem da partida. A hora do encontro é também despedida. A plataforma dessa estação é a vida” (Milton Nascimento)

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Lâmpadas e Inteligência

Num dos meus momentos de vagabundagem, um pensamento me apareceu que fez uma ligação metafórica entre lâmpadas e inteligências que nunca me havia passado pela cabeça. Tratei, então, de seguir a trilha. As lâmpadas servem para iluminar. Para isso são dotadas de potências de iluminação diferentes. Há lâmpadas de 60 watts, de 100 watts, de 150 watts etc. Qual é a melhor lâmpada? Parece que as de 150 watts são as melhores porque iluminam mais. 

Também as inteligências servem para iluminar. Tanto assim que se diz "tive uma ideia luminosa!". E nos gibis, para dizer que um personagem teve uma boa ideia, o desenhista desenha uma lâmpada acesa sobre a sua cabeça. E também as inteligências, à semelhança das lâmpadas, têm potências diferentes. Os psicólogos inventaram testes para atribuir números às inteligências. A esses números deram o nome de QI, coeficiente de inteligência. Segundo as mensurações dos psicólogos, há QIs de 100, de 150, de 200... Ah! Uma pessoa com QI200 deve ser maravilhosa! Porque, como todo mundo sabe, inteligência é coisa muito boa! Todo pai quer ter filho inteligente. Mas as lâmpadas não são objetos de contemplação. Não se fica olhando para elas. Olhamos para aquilo que elas iluminam. Uma lâmpada de 150 watts pode iluminar o rosto contorcido de um homem numa câmara de torturas. E uma lâmpada de 60 watts pode iluminar uma mãe dando de mamar ao filhinho. 
As lâmpadas valem pelas cenas que iluminam. As inteligências valem pelas cenas que iluminam. Há inteligências de QI 200 que só iluminam esgotos e cemitérios. E há inteligências modestas, como se fossem nada mais que a chama de uma vela, que iluminam o rosto de crianças e jardins. 

A inteligência pode estar a serviço da morte ou da vida. E a inteligência, pobrezinha, não tem o poder para decidir o que iluminar. Ela é mandada. Só lhe compete obedecer. As ordens vêm de outro lugar. Do coração. Se o coração tem gostos suínos, a inteligência iluminará chiqueiros, porcos e lavagem. Se o coração gosta de crianças e jardins, a inteligência iluminará crianças e jardins. Por isso é mais importante educar o coração que fazer musculação na inteligência. Eu prefiro as inteligências que iluminam a vida, por modestas que sejam.

(Rubem Alves)

* Não sei bem em que ritmo conseguirei postar textos próprios daqui pra frente. Pra não deixar o blog abandonado, decidi por colocar textos ou trechos que vou lendo e podem valer de alguma forma a quem acessa este espaço. 

E feliz 2013 a todos: "O ano a ser lembrado".

Seguidores

Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.