domingo, 3 de maio de 2015

Saco dos Limões


            Acho o maior barato morar no Saco dos Limões. Embora siga dizendo que, caso um dia more em definitivo em Florianópolis, quero ir para o sul da Ilha (o que com frequência faz com que os ouvintes me indaguem qual meu conceito de “definitivo”, já que moro na cidade há quase 8 anos), sinto-me numa feliz e tranquila passagem por esse bairro com ares de vila.

            O bairro parece ter sido meio eclipsado pelo crescimento dos bairros vizinhos (centro e arredores da UFSC), que lhe projetaram uma sombra na qual pouca coisa cresce, como se fosse uma planta com crescimento restrito dada a quantidade de sol insuficiente para uma fotossíntese decente. Resultado: O Saco dos Limões parou no tempo, e eu gosto muito disso, pois acho que também nós deveríamos, em vários aspectos, ter parado no tempo.

            O legal por aqui é que há coisas que só persistem por estar no bairro. Noutro mais moderninho nem abririam. Aliás, ganhamos recentemente uma biboquinha que vende mini-pizzas fora de série. Pizza Roots, o nome. Um casalzinho simpático, que capricha no recheio e na massa fina. Uma das melhores da cidade, mesmo! Tô viciado e já levei gente lá. O lugar parece (aliás é) uma garagem, onde improvisaram 3 mesas, duas de plástico com toalha de mesa xadrez, tipo cantina italiana, e outra mesa de madeira, sem nada. Incrível!

            Na mesma rua (a principal do bairro), tem os estabelecimentos que devem figurar entre os mais antigos da cidade. Entre eles a Barbearia Silva, com o próprio Seu Silva cortando cabelos há (segundo ele; e por que eu duvidaria?), 58 anos, só ali parece que há mais de 30. Descendente de uma família do ramo, teve o pai e os irmãos no mesmo oficio, e conta essa história quase toda vez que vou cortar o cabelo ou fazer a barba, junto aos inevitáveis comentários sobre o vento sul, as catastrofes naturais, os impostos e toda aquele papo inerente a qualquer barbearia tradicional do mundo. Deve fazer parte da formação deles.  

            A 50 metros da barbearia fica a Ilhafarma (me surpreende muito não ser com ph). Deve ser o estabelecimento mais antigo do bairro, o letreito mostra o número do telefone ainda com 6 digitos, e a cor dele, outrora branco, não tá nem amarelado, tá mostarda mesmo. Caso alguém duvide da antiguidade da farmácia, é só dar uma olhada em seu interior: prateleiras com uma série de caixas embrulhadas em papel pardo, e um dono (ou funcionário) barrigudo, de cabelos loiros compridos, bigode volumoso e um ar de que não sai de trás do balcão desde os anos 80. Talvez para abrir a porta, daquelas cinzas que rolam de cima pra baixo. Acho que eles se especializaram em emplastros e poções, e estão ali por puro hobby. Tem de ter outro tipo de renda, tem de ter! Nunca vi ninguém entrando lá.

           
            Gosto muito de passear pelo bairro, sempre faço uns caminhos diferentes, observando as ainda preservadas casas térreas, que não cederam muito espaço aos altos edifícios, embora inevitalvemente (?) cada vez mais numerosos no entorno. Muitas senhoras e senhores nos quintais, num silêncio que só é quebrado pelos horários de entrada e saída da criançada no colégio Getúlio Vargas, ou sazonalmente, pelo ensaios da Consulado, escola de samba daqui do bairro. Nunca fui num, mas dá pra ouvir do quarto, e é bacana também, ano que vem vou “de certeza”.

            Esse clima nostálgico ainda se mescla com a beleza de ter a vista toda da baia sul, o Cambirela ao fundo, os aviões indo e vindo do aeroporto Hercílio Luz ao longe. A coisa mais gostosa que tem é acordar com qualquer humor e ir correr, ir ao trabalho, ou não ir a lugar nenhum, e ficar uns instantes só olhando essa paisagem. Não importa nada, tá tudo ali, do mesmo jeito, imponente, querendo fazer a gente entender alguma coisa.

            O que certa turma não entende é essa vocação natural do bairro para coisas antigas: paralelepípedos, camurça, Monza Hatch e afins, e inventaram de construir um prédio alto, todo desproporcional a seja o que se queira considerar. Batizaram de Novo Centro, e a construção já está tapando metade da vista daqui pro Cambirela. Não podia dar certo. Alias, eles estão contruindo desde que cheguei aqui, há mais de 1 ano, e não conseguem terminar. Deve ter alguma energia coletiva sugando a capacidade de trabalho do pessoal. Mas a gente sabe como as coisas são, uma hora fica pronto.

           
           Acho que eu deveria tirar uma foto da sacada. Mesmo que eu não quisesse, sairia em preto e branco. Guardar e mostrar o Saco dos Limões daqui umas décadas. Nela teria as casas baixas, a baia Sul, o Cambirela (ou metade dele), algum avião voando baixinho rumo ao aeroporto e, mais do que isso: haveria a sensação de um silêncio gostoso, quase uma manifestação às avessas, de uma pequena parte de Floripa que, a sua maneira, foge a essa gritaria infértil de um momento histórico desengonçado e careta.

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.