sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Mudança de assunto

Resolvi deixar minhas percepções cotidianas um pouco de lado e escrever sobre outro tema que me interessa bastante: cinema.
Antes que qualquer pessoa razoavelmente entendida do assunto perca seu tempo, já deixo aqui algumas informações sobre minha relação com a sétima arte, a fim de esclarecer que o negócio é levar um papo descontraído sem muitas reflexões profundas. Por ora, não discorrerei sobre nada em específico, apenas alguns tópicos breves para que se sintam familiarizados com quem vos falará daqui por diante.

-Não sei se o fato de eu ter assistido Avatar em versão dublada e ser esta minha primeira experiência em 3D, de modo que eu não consiga ver a revolução em relação aos antecessores, colaboraram para minha má impressão do filme. Mas minha opinião (traduzida ao pé da letra por um comentário que vi num certo blog) é de que se trata de uma mistura de Pocahontas com O último Samurai, ambientada em outro planeta. (Mas o 3D é bacana)

-Gosto bastante de Hitchcock e Woody Allen. Do primeiro, assisti uns dez e gosto de quase tudo o que vi, agora me vem a cabeça particularmente “Disque M para matar” e “Um corpo que cai”. Mas no geral, todos que assisti são bons.

-Do segundo, já estou chegando à segunda dezena. “Annie Hall”, “Manhattan” e “Crimes e Pecados” são meus favoritos. “Vicky Cristina Barcelona” não fica para trás. Confesso que acho alguns bem mais ou menos, e “Sonho de Cassandra” é quase uma catástrofe.

-Apesar de ser quase senso comum, não consigo ver Marlon Brando como o melhor ator de todos os tempos. Depois de ter levado aquela índia para receber o Oscar por “O Poderoso Chefão”, acabou de perder toda a credibilidade. Jack Nicholson e Sean Penn, a meu ver, estão a léguas de distância desse camarada.

-Fellini ainda me soa inalcançável. “Oito e meio” e a “Doce Vida” me passaram em branco. Acho que ainda tenho chão pra saber gostar deles. Mas tenho consciência que a culpa é minha. Por outro lado, gosto muito de Truffaut e seus Incompreendidos.

-Quando acabei de ver “A Lista de Schindler” pela primeira vez, pensei instantaneamente “esse é o melhor filme que já vi”. Isso jamais me ocorreu antes ou depois com qualquer outra película, mas preciso repensar sobre o assunto.

-Quando penso na melhor cena de inicio de filme, me vem o desembarque em “O resgate do Soldado Ryan”, a melhor cena final (não riam) é o velho, supostamente morto desde o inicio, levantando, fechando o grande portão e dizendo “game over” no primeiro e único filme que presta da sequência “Jogos Mortais”.

-Dois filmes que assisti no cinema e não queria que acabasse nunca são: “Gladiador” e “Os Infiltrados”. Dois filmes que assisti em casa e não consegui passar da segunda cena são “Serpentes a Bordo”, com Samuel L. Jackson e “Zohan”, com Adam Sandler. Há vários outros que eu não passo porque durmo, mas é que esses eu achei ruins mesmo.

-O único filme que assisti 3 vezes no cinema foi “Batman – O cavaleiro das trevas”. Vários outros assisti 2 vezes. E nunca sai antes de uma sessão acabar. A única vez que dormi (no cinema) foi em “P.S. Eu te amo”.

-Almodovar é um afetado, Tarantino também, mas de um jeito muito distinto e melhor. Lars Von Trier é indiscutivelmente perturbado, e apesar do bom “Dogville”, estragou o que poderia ser o excelente “Dançando no Escuro” e fez o pior filme que já vi até o fim (ao lado de “Quero ser John Malkovich”) “O Anticristo”.

-Stanley Kubrick é hors concours nessa lista de perturbação, mas emplacou dois dos maiores vilões da história do cinema: Nicholson em “O iluminado” e o HAL 9000 em “2001” (apesar do filme se tornar progressivamente impossível de se entender), ao lado de Hannibal Lecter em “O silêncio dos Inocentes”.

-Com exceção de “Old Boy” e a “Viagem de Chihiro”, não me recordo de ter conseguido terminar de assistir qualquer outro filme oriental. Confesso que ainda não tentei nada do Kurosawa.

-Por fim, também gosto de comédias, comédias românticas e animações, destas últimas, ainda prefiro aquelas na linha de “A fuga das Galinhas”, mas também curto os da Disney/Pixar. Das comédias românticas, “Simplesmente Amor” é imbatível e nas comédias, Jack Black e Will Farrel à parte (apesar de andarem fazendo muitas porcarias recentemente), não me lembro de nada tão bom como “Se beber, não case”, nos últimos tempos.

Daqui pra frente, se eu me animar a continuar escrevendo, os assuntos serão mais pontuais. Espero que tenham se identificado com uma ou outra coisa que escrevi, pois, se este não for o caso, não os vejo por aqui tão cedo. Pelo menos não até eu voltar a escrever sobre velhinhos corajosos e festas de natal.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Na fila do banco

Há lugares que possuem um grande potencial para gerar confusões. Ressalto as filas de banco em dia de pagamento, ônibus lotado em dia de chuva e saídas de estádio quando o time local perde. Todas elas provocam um grau crescente de irritabilidade nas pessoas que qualquer espirro vira motivo de confrontos fatais. Hoje não fui a jogo, não peguei ônibus e, embora não seja dia de pagamento, provoquei uma importante confusão numa fila de banco.
Antes de narrar o acontecimento, gostaria de tecer alguns breves comentários sobre duas invenções relativamente recentes que vieram para acabar com a paciência dos cidadãos de bem:
Celulares que funcionam como radinhos de pilha e dispensam os fones de ouvido, dando a oportunidade do dono do aparelho de compartilhar seu gosto musical com todos aqueles que estejam há um raio de cem metros de distância.
Igrejas evangélicas de fundo de garagem, fabricantes de fanáticos religiosos que não conseguem finalizar uma frase sequer sem um “glória a Deus” e te chamam de irmão sem nunca ter te visto antes.
Juntem esses dois itens e comecem a calcular a dimensão do meu problema.
Acontece que estava eu numa fila da Caixa Econômica Federal para fazer um simples depósito na conta de um amigo, numa tarde exemplar, na qual o sistema de depósito por envelopes não estava funcionando e havia apenas dois caixas para atender a uma fila de mais de trinta pessoas, sendo um deles caixa preferencial para idosos, gestantes e pessoas com deficiências, quando começo a ouvir um barulho chato vindo das proximidades.
A qualidade do som era terrível, mas me esforçando, consegui identificar uma canção gospel oriunda de um aparelho celular pendurado na cintura de um sujeito que acabara de entrar na fila. Não tinha como aquilo acabar bem. A fila foi avançando com velocidade desprezível, e o camarada continuava com o aparelho ligado. Eu estava conformado com toda aquela demora da fila, mas a entrada do sujeito mudou a conjuntura de maneira inaceitável.
Já perdi a conta de quantas vezes me arrependi por não ter reclamado de situações que me incomodavam. Seja por causa desses malditos celulares que o povo põe pra tocar em locais inapropriados (entenda-se inapropriado qualquer lugar que não seja a rua ou a própria casa), por ver jovens sentados nos coletivos e não cedendo seus lugares para os idosos; ver velhos tarados encochando mocinhas indefesas nesses mesmos coletivos abarrotados, entre tantos outros absurdos cotidianos. Tenho a certeza de que a maioria das pessoas acabam passando uma vontade tremenda de fazer alguma coisa a respeito, mas raramente o fazem. Acabam sendo permissivas e nada muda.
Devo admitir que não é fácil fazer uma intervenção dessas. Embora me sentisse como porta-voz da maioria das pessoas da fila, chegar do nada e mandar alguém desligar o aparelho celular exige um certo cuidado, tendo em vista que uma pessoa desse gabarito provavelmente não acataria a reclamação e sua investida poderia ser completamente em vão, além de provocar possíveis represálias. Nessas horas o tempo começa a passar mais ligeiro, e enquanto eu pensava na melhor abordagem, de repente me vi sendo o próximo a ir ao caixa. Foi quando forcei um olhar sério, encarei o sujeito e disse:

-O senhor tem fone?
-Como?
-O senhor tem fone de ouvido?
-Fone de ouvido? Tenho, mas tá em casa.
-Então faça o favor de desligar o celular, ninguém aqui é obrigado a ouvir as músicas que o senhor quer.
-Você quer que eu faça o quê?
-Que desligue o aparelho (querendo dizer “essa merda”), é proibido fazer isso. Aqui não é a rua, não é lugar público.
-Tá te incomodando?
-Tá! Imagina se todo mundo aqui trouxesse o celular e ficasse ouvindo sua música como o senhor tá fazendo.
-Posso ficar com ele aqui grudado do ouvido?
(A resposta que eu queria dar nessa hora era: “Enfia isso no *** e vê se o som chega no ouvido”)
-Não! E se não desligar logo, quando sair da fila chamo o segurança. Além de proibido é questão de bom senso, educação.
-Que educação o quê! Ô meu filho, que é isso, Deus também te ama.

Nesse momento eu desisti. Como é que você vai debater com uma pessoa dessas? Lá na “Igreja Quadrangular dos Apóstolos que se sentaram a direita de Jesus na Última Ceia”, devem ter dito que é bonito louvar a Deus sobre todas as coisas, mas não explicaram que ouvir cânticos de louvor numa fila de banco não vai angariar novos fiéis, muito pelo contrário.
Fiz calmamente o depósito (mentira, minhas mãos estavam tremendo de nervoso) e antes de sair do banco, como prometido, fui ao segurança pedir que repreendesse “o cara que estava ouvindo, descabidamente, música em alto volume na fila do caixa”. Em meio a minha denúncia, percebi o sujeito do celular espreitando, certificando-se se da seriedade da minha promessa.
Sai do banco com a sensação de dever cumprido. Desejei que o ato servisse de motivação, para que as pessoas que estivessem ali fizessem igual quando se vissem frente a outras situações semelhantes. Pra dizer a verdade imaginei uma saída triunfal, com o pessoal da fila me aplaudindo, ou coisa que o valha. Fiquei até com certa dúvida se não exagerei no gesto. Também não fiquei pra ver se o guardinha foi repreender o moço. Mas tenho certeza que ele pensará duas vezes antes de ouvir música pelo celular numa fila de banco.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

À parte o natal

À parte o natal, toda sua simbologia, rituais e tradições sobre as quais certa vez discorri, ficam os pluritemas elementares a qualquer reunião casual entre familiares. Desta vez o natal foi comemorado aqui em casa, numa noite onde houve ausências sentidas, mas também presenças indispensáveis, que protagonizaram situações dignas de nota.

Após a missa, enquanto minha mãe terminava os preparativos para receber os convidados, meu pai e eu fomos de carro buscar uma tia que mora aqui no bairro. A tia Dirce é divertidíssima, sempre falante, narra histórias longas com uma riqueza de detalhes surpreendente, e durante o pequeno trecho da casa dela até a minha, foi nos contanto da nova casa que meu primo (filho dela) havia comprado numa cidade do interior mato-grossense, pormenorizando cômodo por cômodo, numa sequência de relatos que iniciou com “O Marquinho vai ligar pra vocês contando uma surpresa: Ele comprou uma casa!” E assim já nos criando a responsabilidade de forjar uma reação de incredulidade caso esse telefonema viesse a se concretizar.
Na pequena pausa que ela fez, enquanto nos falava sobre algo que ficava entre a porta da cozinha e um determinado corredor, percebeu que o rádio estava ligado (“Uma noite e meia” era a música do momento) e perguntou-nos quem estava cantando. “É a Marina, tia” respondi, no que ela de pronto rebateu “Ah! Marina Monte!! Adoro!”. E continuou estragando a surpresa.
Chegamos em casa e aos poucos os demais convidados também. O tio Dorival antes mesmo de me cumprimentar, indagou pelo violão: “Tá com ele aí? Já, já você pega que se a gente não fizer barulho a turma dorme”. O violão só foi ouvido bem no final da noite, afinal de contas, todos tinham muito o que papear.

Nisso chegaram ainda os últimos convidados, a Tia Mirtes e o Tio Roberto, um tio meu fanático por futebol, que não aparecia por aqui havia anos. Palmeirense roxo, devido ao fiasco do time no campeonato brasileiro, ao adentrar na sala, já avisou: “Sem falar de futebol hoje hein”. No que a tia Mirtes retrucou, dizendo que era impossível ficar ao lado do tio Beto por mais de dez minutos sem falar sobre futebol.
Formaram-se pequenos grupinhos em diferentes cômodos da casa, entre os quais, como bom anfitrião transitei, e pude participar um pouco de cada conversa. No corredor externo estavam o tio Dorival e o Tio Moacir comentando sobre confusões em hospitais. Que o sistema é todo errado e isso gera verdadeiros reboliços nas instituições, citavam ocasiões em que presenciaram confrontos corpo a corpo envolvendo parentes de doentes e funcionários, em meio a argumentos políticos para mudar os rumos da saúde no país. Fiquei pouco por ali; apesar de ter estudado toda a estruturação e lógica do SUS, trocar informações com esses dois visionários dispenderia um tempo precioso, no qual muita outras conversas interessantíssimas deviam estar ocorrendo em outras partes da casa, das quais eu não podia deixar de participar.
Na cozinha, pela qual tive uma pequena passagem, uma das tias estava contando o caso do cachorro do inquilino da casa de trás, que tinha morrido enforcado pela coleira quando tentara pular pela janela. O papo degringolou para uma análise sobre criar ou não criar cães em apartamentos, no meio do qual, quando já estava de saída, ouvi meu pai comentar: “Higienópolis é o bairro de São Paulo com a maior população canina”. Juro que não duvido do teor da informação, mas a cada dia fico mais impressionado com a capacidade que meu pai tem de saber esses tipos de coisa.
Na sala da TV estava a Vó Teresa, em sua cadeira cativa em frente à televisão, que transmitia um documentário sobre a vida marinha, denunciando a um primo meu sua desconfiança de que as blusas que ela ganhara não sei de quem eram de brechó. Fiquei por ali um pouco, me divertindo com o relato das peripécias e tramóias de minha avó com suas amigas da casa de repouso, mas não pude deixar de ouvir quando alguém na outra sala disse “Claro que eu estava lá no estádio!”.

A tia Mirtes realmente tinha razão. Chegando na sala vejo que o tio Beto conseguiu mobilizar boa parte dos parentes num papo futebolístico. Fazia um paralelo entre o fracasso palmeirense deste ano com o campeonato paulista de 1984, quando o time só precisava empatar o último jogo contra a Inter de Limeira no Morumbi e levantaria a taça, mas acabou perdendo. “E o time era tão bom!” se lamentava ele, e prosseguiu com a escalação do elenco todo, incluindo os suplentes.
Claro que não faltaram as conversas triviais sobre o trabalho, a família e as novas doenças que surgem com a idade, os balanços de final de ano, e os planos para o seguinte, conversas que sempre se estendem ou se repetem na semana seguinte, na festa do Reveillon.
Por conta de umas questões paralelas, Tia Nena e seus famosos presentes não compareceram, de modo que a meia-noite não teve lá sua cara de sempre. Brindamos o nascimento do menino Jesus, e em pouco tempo, já que todos estavam devidamente alimentados, começaram a despedir-se.
Alguém tem de tomar a iniciativa, e a saída triunfal da Tia Dirce entrará para os anais de nossas festividades. Estávamos Tia Mirtes, meu pai e eu conversando na sala da frente, quando Tia Dirce surge se despedindo às pressas, dizendo-se vitimada por um repentino desarranjo intestinal e, argumentando só utilizar o banheiro da própria casa para estes fins, colocou definitivamente os banheiros da minha casa no mesmo patamar dos de rodoviária e postos de gasolina.

À parte o natal, no fundo não sobraria quase nada. Até porque na virada do ano muita gente viaja, e a reunião da família perde todo esse potencial de proporcionar situações diversas, por vezes cômicas, por vezes trágicas, ora desagradáveis, ora reconfortantes, e que nos dá uma sensação gostosa quando nela pensamos, não nos deixando faltar a nenhuma edição.

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.