quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Tulipa ou copo americano

Porco, um grande amigo da época de colégio, abriu um restaurante na Vila Jaguara, em localização suspeita: poucos metros do restaurante do próprio pai. Aliás, o motivo de tal localização foi um dos grandes assuntos entre mim e meus amigos, que em dado sábado, fomos provar a recomendadíssima feijoada de lá, tomar umas cervejinhas, caipirinhas, cachacinhas, e prestigiar nosso mais novo amigo-empreendedor.
Estavámos lá, Brunão, Digão, Guigas, Caião, Égon, Betinho, eu e o próprio Porco, relembrando os causos de outrora. Em meio a muito torresmo, couve com bacon e farofa, vieram histórias antológicas, protagonizadas por garotos que à época planejavam sei lá o que, se é que planejavam alguma coisa; apenas jogavam futebol com latinha de refrigerante amassada no recreio e agora, de repente, estão se formando médicos, engenheiros, economistas, abrindo restaurantes, dirigindo caminhões, casando, tendo filhos, sendo presos, entre outras atividades não convencionais.
Muito papo furado, muita risada, e num estalo a constatação: “Faz sete anos que a gente se formou!”. Isso não foi dito na roda, foi uma constatação interna, não ia atrapalhar uma narração empolgante sobre um episódio da viagem de formatura de Porto Seguro, seria um desperdício de história. Mas o fato é que muita coisa mudou de lá pra cá.
Uns com muito peso, outros com muita grana, ouvimos até um “agora sou rico e tenho um carrão”, e todos com uma bagagem e tanto nas costas. Apesar dos monotemas e pluritemas de praxe, passado um breve período pós-prandial a turma começou a se dispersar: um foi jogar seu sagrado futebol de sábado, outro pro escritório, outro ainda encontrar a namorada; acabamos que só ficamos Digão, o Porco e eu, enturmando vez ou outra com o restante das demais pessoas freqüentadoras do restaurante.

Depois de perdida a conta das garrafas de cerveja e algumas caipirinhas o papo começou a ficar mais filosófico, e o Porco percebeu isso de forma peculiar: “O papo tá muito sério, cêis não conseguem administrar a cerveja no tulipa, tá esquentando toda vez, vou trocar por copos americanos”. E assim procedeu.
O papo era mesmo sério, estamos ficando velhos. As expectativas aumentam, as responsabilidades aumentam, e muitas perguntas batem na cara. Compromisso sério ou Carnaval? Excesso ou falta de trabalho? Novidades ou mesmices? Mais jovens ou mais velhos? Muitos ou poucos amigos? Lembrar ou esquecer? Encarar ou evitar? Focar, expandir, distorcer? Ambição ou resignação? Esforço ou naturalidade? Simplicidade ou complexidade?
Como disse o Nico, outro grande amigo meu, se fosse simples, não haveria tantas perguntas complexas.
Não há nada pior do que dar-se conta de que uma oportunidade passou. É muito difícil entendermos as coisas enquanto estamos passando por elas, mas a constatação óbvia é que cada vez mais estamos por nossa conta, não há como voltar e cada vez menos a quem apelar.
A vida vai passando e há de se decidir o tamanho dos goles que vamos nos servir dela. E aí? Tulipa ou copo americano?

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Felicidade - Produto adulterado

Se você perguntar a alguém “O que é felicidade?” a resposta será, quase sempre, alguma variação de “são pequenos momentos, pequeno gestos, feita de pequenos instantes”, e que a felicidade “anda por ai escondida, e que você tem de saber encontrá-la”, que temos que aprender a viver as “pequenas felicidades”.
É impressionante como conseguiram nos vender essa ideia: de que a felicidade é um “plus”, uma recompensa, um “algo a mais”. Ou pior ainda, que a felicidade será alcançada depois que conseguirmos uma série de coisas: um bom emprego, um bom salário, uma boa casa, uma família sem problemas... Aí sim, quando tivermos tudo isso, seremos felizes. É claro que se a felicidade for isso, temos que começar a enxergá-la em pequenos momentos. Mas não parece muito justo, nem faz tanto sentido.
A maioria das pessoas acorda dia após dia para ir trabalhar em algo que, na melhor das hipóteses, considera suportável. Alguém que dedica a maior parte do seu tempo a fazer algo que não gosta, pelo qual não é valorizado, e que só faz porque é o maior salário que consegue ganhar (afinal precisamos ao menos pagar as contas), não vai ter nem energia física, nem mental para dedicar sequer àqueles momentos, ou “instantes” que conceitua como “felicidade”.

Pra inicio de conversa, recebemos uma educação que pouco ou nada nos incentiva a acharmos nossas verdadeiras vocações. Muitos chegam à beira do vestibular (afinal, em nossa sociedade entende-se que todos tem de “formar-se” em alguma coisa) procurando suas vocações em revistas ou fazendo testes vocacionais.
Ninguém é totalmente burro ou não é bom em nada, mas acontece que todos recebem o mesmo tipo de educação, num mesmo ritmo, e em momento algum são valorizadas, nem sequer procuradas, as habilidades especificas de cada um. Daí, se alguns conseguem acompanhar as aulas e tirar boas notas, entende-se que todos deveriam conseguir, e castiga-se aqueles que não se dão bem com o sistema.
Todos saem da fôrma (formatura) sabendo mais ou menos qual o lugar certo de marcar o “X”, alguns sabem falar outras línguas, outros se dão muito bem com cálculos, a maioria sai sabendo um monte de baboseiras que nunca serviu nem servirá para nada (além de passar de ano), mas poucos sabem alguma coisa sobre si mesmos, canalizam suas energias para as coisas erradas, não sabem se relacionar, não sabem ser tolerantes, tem o conceito de justiça completamente deturpado e jamais terão a certeza de estarem fazendo a coisa certa.
Inteligência não é sinônimo exclusivo de intelectualidade. Abrange o emocional, o físico, a intuitivo e como você articula tudo isso. Felicidade é uma conquista inteligente e que todos, sabendo ou não onde botar o “X”, são capazes de alcançar.
A verdadeira felicidade jamais deveria ser uma exceção, coisa pequena, fugaz.

O caminho não é fácil, já está tudo muito enraizado e a solução depende de muitos fatores, internos e externos. Mas temos que partir de algum lugar.
Parece-me interessante tentarmos ao menos servir de mapa para que as gerações futuras tenham uma compreensão maior, e comprem o produto original.

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.