sábado, 25 de fevereiro de 2012

Aos calouros

Se um dia me dessem a incumbência de escrever algo para deixar para a posteridade, dissessem: “de tudo o que você escrever, só vai sobrar isso”, acho que escolheria um apelo aos recém-ingressos na universidade. Algum manual do tipo “A melhor forma de aproveitar a universidade, baseado em evidências e narrativas daqueles que apesar de tudo conseguiram se formar”.
Algo que os fizesse entender a importância de levar a sério o compromisso de fazer valer a pena essa vida que se inicia. Mostrar que o tipo de profissional no qual se tornará não tem relação com a quantidade de cachaça consumida, de aulas não assistidas, e de 5,75 tirados. (Tenho 2 grandes amigos que foram os campeões de 5,75 e demais quesitos supracitados e hoje fazem residência médica na Unifesp e Unicamp. Repito: é baseado em evidências!)
Alias, ouso dizer que o melhor profissional está muito longe de ser aquele que dedicou todo o tempo de faculdade aos estudos. O que está em jogo não é simplesmente sua formação técnica, mas também sua formação humana, seu caráter, que será moldado de acordo com as experiências que você se permitir ter neste período, aliadas a base que você já trás de antes. Em nenhum outro momento da vida você conhecerá pessoas tão diferentes, com formas de pensar e agir distintas da sua, que te farão entender que existem muitas possibilidades além das que você era capaz de imaginar.
O ideal mesmo é que houvesse um tutor para cada calouro, ou grupo de calouros. Um veterano, quase formado, o qual o calouro devesse consultar (e seguir cegamente) toda vez que ficasse em dúvida diante de questões elementares, do tipo “hoje é sexta: estudo pra prova de segunda ou vou pra festa?”, ou mesmo “Agora é noite de domingo, a prova é amanhã e não estudei nada, to de ressaca da festa de ontem e a galera ta chamando pra ir pro bar: estudo ou chego bêbado na prova?” Por que afinal, independente do perfil da pessoa que entra, todos saem pensando: Poderia ter aproveitado mais.
Enquanto vou articulando a idéia e angariando colaboradores para a versão completa do manual, deixo aqui alguns tópicos que julgo fundamentais para um bom proveito dessa memorável etapa de nossa passagem terrena, a que chamamos vida universitária:

- Vá a todas as festas universitárias que conseguir, o ideal é que tente fazer isso até o final da faculdade, independente do curso que estiver matriculado e sua carga horária. Vá desde a mais tradicional até o happy hour da Oceanografia (que pode ser muito mais legal do que você imagina). Por vezes os interesses vão mudando, e vão surgindo outros compromissos. Mas é importante tentar, essas festas te proporcionarão... várias coisas.

- Administre suas presenças em sala de aula e falte o máximo que puder. Não há motivos para ficar feito zumbi ou dormir na frente do professor. Mesmo as melhores faculdades tem várias aulas ruins, que imploram para que você aproveite melhor seu tempo. Depois de formado você não terá chance de matar o trabalho. Aproveite enquanto pode.

- Cole sempre que precisar! (e seja generoso caso alguém por perto necessite) Você já passou no vestibular e não precisa provar a ninguém que é capaz de tirar boa nota num teste. A maioria das provas que fazemos não prova absolutamente nada; vivemos num sistema de avaliação completamente arcaico e deficiente. Ademais, dividir o conhecimento com o semelhante é uma das coisas mais nobres que você pode fazer (tudo que integra é bom, tudo que separa é ruim)

- Mesmo que o melhor curso na área que você escolheu esteja na sua cidade natal, vale a pena priorizar estudar fora de casa. Você terá experiências muito valiosas tendo de se virar sozinho e não precisar dar satisfação a toda hora. Além disso, muito da faculdade quem faz é o aluno, dependendo de como você levar a coisa, não fará diferença alguma.

- Viaje o máximo que puder, seja para fazer estágio (em outro estado ou outro país) ou mochilão com os amigos. Essa é a época pra isso, só tem a enriquecer sua forma de entender as coisas, e saber lidar com as adversidades, além de toda diversão da viagem! (Não ter dinheiro não é desculpa – faça monitoria, estágios remunerados, pesquisas, lave os pratos do RU; Quem quer, sempre consegue – baseado em evidências!)

- E fundamental: Faça muitos amigos. Trate todo mundo bem e não prejudique ninguém. Com certeza você se decepcionará com algumas pessoas, e é provável que você mesmo também decepcione outras. Mas a maioria das coisas mostrar-se-ão pequenas bobagens, e nesse meio de caminho, essas mesmas pessoas se revelarão pessoas fantásticas, a quem chamaremos verdadeiramente de irmãos, e que iremos querer ter por perto por toda vida.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Coisas de carnaval

O sujeito recupera parcialmente a consciência ao se levantar do vaso sanitário, olha ao redor e não faz a menor idéia de onde está, a bebedeira não permite que ele se preocupe da forma que convém. Sai a passos vacilantes pelo corredor que conduz à sala, onde encontra pessoas que julga comporem uma família. No que ele planeja ser uma simples tomada de fôlego para empregar solenidade ao que gostaria de dizer, consegue fazer um combo homérico iniciado com um soluço na inspiração e, provavelmente devido a uma tentativa retardada de conter o gesto anterior, um peido e um arroto simultâneo na expiração. Completa a seqüência com “Pode não parecer, mas eu sou médico”.
Situações assim só conseguem ser protagonizadas por aqueles que realmente compreendem o que é o carnaval. Há os que preferem o sossego, aproveitar o feriadão pra descansar de um ano que no fundo ainda nem bem começou. Mas sobre não gostar do samba e da folia, um dos nossos maiores entendedores do assunto já desvendou o mistério: “Quem não gosta de samba bom sujeito não é”. Diagnósticos diferenciais: “1) Ruim da cabeça ou 2) doente do pé”.
Este ano quase fui impedido de aproveitar o carnaval por conta de um cálculo renal. Ainda que devidamente medicado, diziam-me os médicos “isso pode complicar, o Rio é um lugar que você não conhece, aqui você tem toda assistência, não deve viajar de jeito nenhum etc”. Entretanto meu argumento era mais forte “mas é carnaval!”. E fui.
Pra quem há 2 anos quebrou o pé caindo de um barranco na primeira noite de folia e passou o resto dos dias com o pé imobilizado e sem muletas, pulando o carnaval feito saci, (há quem imaginasse ser uma fantasia), uma pedra no rim não parecia representar um grande problema.

Relembrando aqui, se fosse contar todas as histórias que vi ou vivi nos carnavais, dava um livro. Pessoal dando cambalhota toda vez que saia do metrô, chutado chinelo de gordinha ladeira abaixo porque tava ela regulando beijo, queimando o braço da moça com bituca de cigarro no meio do xaveco, abandonando amigo bêbado em cidade desconhecida na volta do carnaval (esse era realmente impossível trazer de volta), entre outras impublicáveis.
Sou capaz que afirmar que o carnaval comporta os dias mais importantes do ano. A satisfação de estar com os amigos e aproveitar ao máximo, como se não tivesse todo um ano de compromissos chatos esperando logo a seguir é impagável. Nem precisa ser tão simpatizante do samba. Lá no Rio tinha bloco que tocava Beatles, Raul, Mutantes, ouvi até Legião Urbana. Nada melhor do que ver uma multidão de gente se divertindo, dobrar uma esquina e ler na placa: Rua Vinícius de Moraes. Esse gostava de uma farra, certamente estava abençoando a bagunça. Saravá!
Foi neste dia, voltando de Ipanema, que resolvi que escreveria esta crônica. O metrô de lá fica num complexo batizado com o nome do maior cronista brasileiro: Rubem Braga. E adentrando o prédio, na parede oposta a quem entra, depara-se logo com um texto de outro grande escritor, o Ruy Castro. Nada como estar semi-bêbado (se estivesse bêbado teria esquecido) e prometer aos mestres: essa vai pra vocês.
(E também a todos os amigos que sabem a importância do carnaval e sempre fazem valer a pena).

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.