terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Até breve

(Pensei em várias formas de finalizar as atividades do blog neste ano. Encontrei aqui nos arquivos paulistanos umas velharias até interessantes. Recortei alguns trechos de textos meus, escritos há um tempão. Em meio a muitas porcarias tinham umas coisas surpreendentemente dignas de novas leituras, nem eu me reconhecia naquelas linhas. Também pensei em abrir espaço pela primeira vez a um amigo, postando um poema entitulado "2009", mas que poderia muito bem se chamar "2010", ou até "1965", já que entra ano e sai ano e são sempre os mesmos planos.
Mas hoje, assistindo a mais um filme do velho Woody - pretendo esgotar sua filmografia um dia - me apareceram uns dizeres bem bacanas, que resolvi compartilhar. Fui parando cena por cena para anotar, espero que gostem)


"Durante toda a nossa vida, enfrentamos decisões penosas, escolhas morais. Algumas delas tem grande peso. A maioria não tem tanto valor assim. Mas definimos a nós mesmos pelas escolhas que fazemos. Na verdade somos feitos da soma total das nossas escolhas. Tudo se dá de maneira tâo imprevisível, tão injusta, que a felicidade humana não parece ter sido incluída no projeto da Criação. Somos nós, com nossa capacidade de amar, que atribuímos um sentido a um Universo indiferente. Assim mesmo, a maioria dos seres humanos parece ter a habilidade de continuar lutando, e até encontrar prazer nas coisas simples, como sua família, seu trabalho e na esperança que as futuras gerações alcancem uma compreensão maior."


Boas festas

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Napolitana nunca mais

(A produtividade anda alta, penso ser a primeira vez que consigo escrever dois textos em dois dias. O que são as férias né?! Estimulado pela catástrofe futebolistica deste fim de semana e, voltando ao velho estilo, teço uma breve análise sobre este esporte e seus desdobramentos)

Realmente este é o país do futebol. São pouco entre nós aqueles que não possuem uma fotografia, ainda no carrinho de bebê, ostentando uma enorme camisa do time do coração do pai ou de algum tio. Crescemos em meio a invencionices futebolísticas. Qualquer lugar é passível de abrigar uma pelada, e muitos objetos podem servir de bola. Meias emboladas, tampinha de garrafa, latinha de refrigerante amassada... é só ter dois pares de sandálias havaianas por perto pra servir de traves que o negócio funciona.
As variações nos tipos de jogos também eram quase ilimitadas, era rebatida, linha, artilheiro, gol a gol, três dentro três fora...independentemente do número de jogadores, sempre havia uma modalidade que abrigasse o grupo todo. No colégio, a aula de educação física era sempre a mais aguardada. Tenho certa pena dos educadores físicos: quatro anos estudando, pra chegar na hora de aplicar os conhecimentos, ele praticamente resumir-se a ajudar a escolher os times e jogar a bola no meio da turma e deixar que o resto eles resolvem. É a única coisa que dá pra fazer, não existe colaboração para qualquer outra atividade.
Pois bem, nesse país assim crescemos, e salvo raras exceções, à parte a intimidade com a redonda, nos tornamos torcedores com variados graus de fanatismo. Algo que realmente influenciará em nossas vidas para sempre.

Dito isso, informo-lhes que o Palmeiras hoje, 6 de dezembro de 2009, depois de permanecer 17 rodadas como líder do brasileirão, não só não conquistou o título como também perdeu a vaga na libertadores. Elejo este o fiasco esportivo do século. Informação adicional: o Flamengo foi campeão.
Não pretendo discorrer sobre a catástrofe palestrina, nem procurar justificá-la. Quero confessar aqui que não achei de todo ruim ter o Flamengo vencido o torneio. Como palmeirense que sou, ruim de verdade seria ter de ver mais uma vez o São Paulo vencedor, ou ainda o Corinthians, nem que fosse a primeira.
Ainda preferia que o Inter ganhasse, mas acabei ficando feliz pelo seguinte: A verdade irrefutável número dois em se tratando de nascer brasileiro é que, caso você não nasça em São Paulo, não torça para nenhum time de lá, ou não faça parte dos trinta por cento dos cariocas que, somados torcem para o Vasco, Fluminense ou Botafogo, você indubitavelmente terá como primeiro ou segundo time o Flamengo.
Esse negócio de segundo time era uma coisa que eu não tinha familiaridade antes de morar fora de São Paulo. Mas é comum nas cidades interioranas, quando o time local não tem projeção nacional (ou seja, seus jogos não passam na televisão as quartas-feiras e aos domingos) eleger o Flamengo como segundo time do coração. Isso não é uma ofensa, nem uma provocação, apenas uma constatação feita depois de vir em Florianópolis, conviver com pessoas de muitos outros estados e conhecer muita gente que torce para o Avaí/Flamengo, Vila Nova/Flamengo, Atlético Goianiense/Flamengo, Vitória/Flamengo, e até somente Flamengo, mesmo não sendo carioca. Inclusive tenho um grande amigo que nasceu em Brasilia, morou um tempo em Natal, outro tanto em Belo Horizonte, agora está estudando cá em Floripa, e que me confessou que simpatiza com Palmeiras/Flamengo. Esse claramente não sabe escalar meio time nem de um nem de outro, mas pra ver onde a coisa chega.

Assim sendo, encaro o título do Flamengo como um presente de fim de ano para a grande maioria dos habitantes deste país, cuja verdade numero três a seu respeito é ser um povo forte, porém sofredor. Que esquece que tem compromissos sérios e chatos para tratar no dia seguinte, esquece que o trabalho não vai ser fácil, e que não pagará as contas de casa, e o remédio do filho, e as prestações da geladeira nova. E fica de frente à televisão (ou radinho no ouvido) por um tempo curto porém mágico, que narra os acontecimentos vindos de um lugar que ele nunca porá os pés, mas onde ele certamente sonhou pelo menos uma vez na vida em fazer um gol com a camisa 10, pelo time do coração.
Hoje é dia de festa para a maior torcida do mundo, dia de torrar um pouco mais daquela grana que já não ia pagar o remédio ou a geladeira e de tirar sarro da cara do amigo cujo time foi rebaixado, ou que não foi pra libertadores.

E até o fim do primeiro tempo tava tudo indo muito bem. O Palmeiras apesar de não estar ganhando, ainda tinha a vaga para a libertadores assegurada e, pela combinação dos jogos, o Inter seria o campeão. Resolvo ir a uma padaria aqui perto, a Napolitana, comprar algumas coisas para o café da tarde. Eis que, quando estava no caixa, passando a compra, um molequinho vira pra mim (que estava trajando o uniforme do Palmeiras) e diz: ''O Palmeiras tá fora do G4”. Eu sabia que não, estava acompanhando os jogos, e depois de ter discutido com o menino e terminar com “quer saber mais do que eu, que sou palmeirense??” saí revoltado com tamanha petulância e voltei pra casa para acompanhar, conformado, apenas a conquista do quarto lugar no campeonato.
Chegando aqui, suco e lanche preparados, ligo de novo a televisão e vejo, concomitantemente, o Cruzeiro vencendo e o Palmeiras acabando de sofrer o primeiro gol, ou seja, saindo do G4 e deixando escapar a vaga para a libertadores.
Verdade sobre o povo brasileiro número quatro: por mais que negue, é um povo supersticioso, que acorda com o pé direito, veste a roupa que acha que dá sorte, senta sempre no mesmo lugar no sofá porque senão o time perde, e que não volta a padarias em que existem moleques impertinentes e preditores do fracasso alheio. Napolitana, nunca mais!

sábado, 5 de dezembro de 2009

Carta ao amigo imaginário

(Na atual fase de experiências com os diferentes estilos, posto agora uma carta. É quase um balanço de fim de ano, papo mais ou menos sério...bem mais ou menos...)

Pra quem conhece, parece mais uma mixiriquice do careca. Nosso ilustre amigo inventou esse semestre um amigo imaginário. O sujeito tinha algum parentesco longe e obscuro com ele, e por motivos ainda mais nebulosos foi morar uns tempos no apartamento do Mixirica. O engraçado é que quando aparecíamos por lá, o camarada nunca estava, mas a cama que o careca emprestou-lhe estava sempre desarrumada.
Enfim meu caro amigo, não me importo que você tenha essa condição de existência meio duvidosa. Estou eu aqui, finalmente de férias, sentado no sofá com uma cervejinha do lado, observando o sol se pôr por entre os predinhos da Trindade, João Bosco tocando Papel Machê, o laptop no colo e a vontade de escrever.
Esse semestre foi puxado. Fiz muita coisa, não fiz um tanto de outras, mas o saldo parece ser positivo. Arrisquei(-me) um bocado, aprendi outro tanto, e nesse meio de caminho ri e chorei pra valer, fiz novos e grandes amigos, decepcionei alguns, mas de qualquer forma, segui mais do que nunca aquilo que achava certo.
Mano, se eu te contar você não acredita, fui até atropelado dia desses. Voltando da Festa de Gala da Atlética a pé com o Digão, fui correr atrás de uns balões mas, por estar ligeiramente bêbado, as pernas não acompanharam os movimentos e a rapidez planejados e eu fui tropeçando até a rua, no que veio um carro e bateu em mim. Rolei no chão e tudo, mas não me machuquei muito.
Por me sentir meio culpado ainda fui pedir desculpas ao motorista: ''foi mal cara, to meio bêbado''. No que ele, polidamente respondeu: “Tem problema não, eu também to!”. Esse mundo maluco...
Falando em bebedeira, isso não sei se fiz de mais ou de menos, você me conhece quanto a esse respeito né?! Mas posso te afirmar que fui parando aos poucos com aquela mania de façanhas andarilhas no final das baladas. Hoje já não volto nem do Mercadinho Chico a pé se tiver outras opções. E também parei de bodear nas festas, isso tava enchendo o saco da galera, eu tava até perdendo moral.
Sem dúvidas foi o período em que eu mais estudei. Claro que com o tempo a gente vai perdendo o pique, mas no começo eu tava um nerd absurdo, não faltava eu aula nenhuma e estudava praticamente todo dia em casa. Aprendi muito, não só sobre medicina, mas também a ser perseverante. Lembra que eu queria muito fazer pesquisa, iniciação científica e tal? Pois então, eu fiquei o semestre inteiro enchendo saco dos professores, sugerindo projetos, vendo as possibilidades, até que quase no final, quando eu já tinha desistido, de repente me apareceram dois, e por um deles eu vou até receber bolsa de iniciação científica ano que vem. Isso foi pra mim até agora uma das maiores provas de que, se o cara quer mesmo uma coisa e corre atrás dela com vontade mesmo, na maioria das vezes ele consegue, pode apostar.
Por causa disso acabei me afastando da galera da minha sala. Minha frequência nas mesinhas de poker foi ridícula, até nas festas de turma apareci bem menos. Mas não pude deixar de ir na de encerramento, que foi bem engraçada por sinal, fiquei até pelado na piscina. Preciso pedir desculpa para as meninas, elas não devem ter ficado muito a vontade com a situação. Pretendo voltar a sair com o pessoal mais vezes semestre que vem.
Velho, cê sabe que eu sempre fui meio vassourão né?! Acredita que de uns tempos pra cá eu até dei uma tranquilizada? Tava gostando de estar com uma guria só. É tão gostoso perceber que uma pessoa séria, bacana, inteligente e bonita pensa em você e quer estar com você. A completude dos momentos em que se está junto é muito maior do que naqueles em que você está com alguém que acabou de conhecer numa balada. Eu nunca tinha valorizado muito isso. Mas parece tão óbvio né? Só eu que fui perceber essas coisas apenas aos vinte e dois anos. Aprendi bastante com ela, vou guardar isso com carinho.
Mas de qualquer forma me sinto um pouco mais leve. Cê que me conhece bem sabe que quando eu to bem, feliz da vida, adoro ver todo mundo bem também, contente e vivendo coisas legais. Mas quando o tempo tá fechado, e parece que tudo tá dando errado, daí fico puto até com as conquistas das pessoas próximas. Não sei se é normal de todo ser humano, sei que não é uma simples característica, é um defeito, que eu detectei em mim e fiz questão de arrumar. Tá louco! Que coisa besta!
Descobri que se as coisas não estão lá como eu gostaria, ver o outro feliz por uma conquista (caso merecida, que fique claro) e conseguir sentir-se bem com isso é um santo remédio. ''Poucos são os homens com bastante caráter a ponto de sentir-se feliz com a conquista do próximo sem sentir um pingo de inveja''. Isso não veio de mim, mas é pra mim. Pra mim não, pra todo mundo, pensa nisso você também. Seja um parasita da felicidade das pessoas que você gosta. Não sei se parasita é a palavra certa, porque dessa relação os dois saem beneficiados, acho que é comensal né? De qualquer jeito, não tenho vergonha de admitir isso pra você, todos tem lá seus defeitos, mas é vivendo, refletindo e tentando mudar que se consegue melhorar.
Pô, é realmente coisa pra caramba. Viver aqui nesse lugar, com todas as oportunidades que tenho, e tanta gente bacana pra compartilhar os momentos, as ideias, ensinar e aprender a todo momento...ainda bem que esse curso tá só chegando na metade.
Venha me visitar qualquer dia, não muito em breve, que agora to indo matar a saudades do pessoal de São Paulo. Mas venha sim, você não vai se arrepender. Manda lembranças pro Mauro e pra Audrey.

Grande abraço
Pedro

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O dia

(Agora um texto diferente. Não uma crônica, mas um mini-conto. Escrevi há tempos, e achei interessante postá-lo. Talvez agrade a alguém)


O dia anterior

Casa de família de classe média, num bairro qualquer de São Paulo, entre as 19h e as 21h.

A TV já estava ligada. Embora ninguém da família tenha se visto durante quase todo dia, ao chegarem nada dizem. Ouve-se um único e ligeiramente entusiasmado "boa noite", abafado pelo tilintar das colheres a pôr comida nos pratos, pelos copos e travessas batendo na mesa de jantar, anunciando o início da refeição.
Embora a TV permanecesse ligada, ninguém olhava para ela. Olhavam para o prato, vez ou outra uns para os outros, mas o olhar era distante, cada qual absorvido em seus pensamentos:

"Olha aí, eu bem que desconfiava, chega com uma alegria em casa! Uma disposição! E cada vez mais tarde, mas pensa que me engana...ah não! Suportei até hoje, cuido de tudo, da casa, das crianças. Ele não é ruim, eu sei, mas não tenho mais dúvidas, só pode ser isso! Tem muita moça novinha por aí doida pra se arranjar com homem assim. Tá mais que explicado. E eu, que sempre me contive...se ele soubesse o quanto eu me contive...mas agora chega, se ele pode, porque eu não? E vai ser amanhã mesmo, tá resolvido."

"Droga, porque justo agora? A gente fez tudo certo, não tinha como acontecer. O que vão pensar?...minha vida tá arruinada, minha família vai me odiar, eu vou ter que me arranjar sozinho. Todo mundo confiava em mim, eu não podia desaponta-los...já sei, vou falar pra ela tirar, ela não vai ganhar nada com isso mesmo, se pensa que vai, azar o dela...é isso mesmo, ela vai ter que tirar..."

"Esse chuchu não tem gosto de nada, eca! Eu que não vou comer, acho que vou colocar no bolso e levar pro Galileu, ele come de tudo mesmo. A mãe fala que só pode dar ração, se não ele fica com diarréia...ou senão eu jogo no lixo...não, se alguém ver eu tô lascado, melhor na privada, isso!...ah, mas o pai fala que não pode desperdiçar comida, melhor dar pro Galileu mesmo, levo um bife junto."

"Que chatice, quero voltar logo pro meu quarto, não tô com a mínima fome. Mas se eu não comer tudo não posso sair da mesa...eles pensam que eu ainda sou criança, mal sabem eles que...uuu, como o papai é desprezível, roçando o pé na perna da mamãe debaixo da mesa, pensa que ninguém vê, será que não percebe que nem a mamãe tá gostando, olha a cara dela...ele não entende nada...nem ela, alias ninguém entende...já sei! Fujo de casa!!...amanhã!..."

"Ah! Que maravilha, depois de tanto tempo, sabia que eles iam reconhecer. Com a saída do Jorge só eu poderia ocupar esse lugar. E o Moraes deu tudo a entender...será o fim de tantas horas extras, eu não aguentava mais...ah, tudo por essa família. Com essa grana extra talvez eu até compre aquele apê na praia que ela tanto quer...vai ser mesmo uma maravilha! mas não vou contar nada a eles ainda, deixa o Moraes confirmar...e ela que me aguarde daqui a pouco, hoje to com disposição..."

Terminaram o jantar. O menor correu para o quintal. O mais velho e a do meio foram para seus quartos. A luz do primeiro logo se apagou, no segundo ouvia-se barulho de portas abrindo e fechando, coisas sendo arrastadas.
Na suíte ela nada queria, mas ele sabia como fazer...

O dia

É irônico como fazemos planos contando com a coragem que não temos. Como planejar investimentos ou viagens com o dinheiro da loteria que ainda nem foi sorteada, nos iludimos provisoriamente de que as chances de concretizarmos aquilo que pensamos são reais, dando-nos um prazer fugaz.

O dia amanheceu e quem primeiro levantou foi a do meio. Começou a recolocar tudo no lugar, não queria que ninguém visse suas coisas reunidas para um fuga que nunca aconteceria. Não, ela não tinha coragem. Trocar todo o conforto e vida fácil que tivera até agora para se aventurar com o fulano com quem andava saindo a menos de um mês. Por mais intensas que sejam as paixões adolescentes, raras são as vezes em que vencem as condições e estruturas familiares.

Ao chegar à firma o pai é apresentado ao ciclano de tal, metade de sua idade, filho do vizinho do cunhado do dono da empresa, que começaria naquele dia seu trabalho na gerencia, no cargo deixado pelo Jorge. Adeus casa na praia. Adeus sonho da esposa.

A mãe por sua vez até parou na frente do prédio do beltrano. Sabia que ele estaria lá. Pensou durante uns minutos, começou a suar frio. O porteiro a olhava curisoso. Ela deu um passo a frente, a expresão em sua face se fechou, uma lágrima caiu, ela desatou a correr por uma direção qualquer. Outras, e muitas lágrimas cairam. O porteiro nada entendeu.

O mais velho resolveu adiar a conversa, precisava preparar-se. E afinal de contas, vai que o teste falhou! Ela falou que faria outro. Isso mesmo, era preciso esperar, e se preparar. O dia seguinte é que seria importante. Hoje não, hoje o dia é para os planos...

No meio do dia o menor volta da escola para casa, passa pelo quintal e sente um cheiro nada agradável. "Preciso limpar antes que alguém veja". O resultado do desarranjo intestinal do Galileu mostrava que o intento não menos importante, no mundo do caçula, encontrou seu meio de acontecer na inocente e autêntica coragem, inerente aos infantos.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

501 A

Ontem, após finalizar um pratão de arroz, feijão e frango ouvi outro perguntar se eu tinha comido alface.
Antes de ontem, um colega meu de sala achou graça de um de nós, que enquanto lhe dava carona ligou para casa pra saber se os demais já haviam jantado.
Há quase um mês, três de nós fomos assistir à primeira comunhão do outro que resta.

Há pouco menos de dois anos, ao acordar acendi a luz do quarto e me deparei com duas folhas de papel sulfite dobradas sobre meu criado-mudo. Antes de desdobrá-las passei os olhos ao redor do quarto e vi as malas prontas: Estava indo embora.
Ainda sentado na cama resolvo abrir o papel e nele leio palavras carinhosas e encorajadoras de minha irmã. Depois de terminar a carta, entro no banheiro, ligo o chuveiro, sento na patente e apesar do nó na garganta as lágrimas me escapam. Começo a sentir ali a falta da minha família.
Mudei-me sozinho de São Paulo para Florianópolis para fazer faculdade. Iria deixar de ver as pessoas com as quais convivi durante vinte anos. Certamente não seria fácil.
Quando aqui cheguei, fui morar com um amigo de São Paulo e mais dois amigos dele do curso. Passado meio ano, um deles se mudou e outro amigo meu de São Paulo passou na faculdade daqui e veio morar conosco. Continuamos em quatro.
O começo como previsto foi difícil. Apesar de todas as festas e novidades da vida universitária, nos primeiros meses a saudade de casa era quase insuportável e eu não passava um dia sem fazer a contagem regressiva para o próximo feriado prolongado, quando voltaria a ver a família.
E então veio o inevitável. Passa-se o tempo e criam-se raízes. É a rotina (que você lutou tanto pra conseguir), as pessoas que convivem com você e que estão na mesma situação, com as quais você se identifica e, principalmente, o nascimento de uma nova família.
Longe de mim querer comparar minha família lá em São Paulo (meus pais e minha irmã) com esses marmanjos que mal tomam banho e dividem a casa comigo aqui em Floripa. É muito confortável deitar pra dormir a noite e lembrar que tenho uma família que me ama e que sente minha falta lá longe. Que sempre que eu voltar, vou encontrar a cama pronta, vou acordar e ter o café na mesa, os abraços, os carinhos, as broncas e tudo mais.
Mas acontece que família é um troço doido, que na minha concepção tem muito a ver com sentimento, com valores, com respeito e admiração recíproca (apesar dos pesares). É engraçado atribuir a esses três manés que moram comigo, que nem sabem direito o que querem da vida, essa palavra tão forte.
E quando digo que é um troço doido, é doido mesmo. Na maioria das vezes parece que a gente tá lidando com um irmão, mas por vezes, um ou outro faz o papel de pai e se der na telha, até de mãe. E haja paciência quando isso acontece, o pessoal interpreta à altura.
O que faz desses três uma família pra mim? Tentarei explicar:


É sair reclamando das luzes acesas pela casa, perguntando se o pai é sócio da Light..
É acordar cedo de domingo e chamar pra assistir a Fórmula 1.
É regular o refrigerante por ver o outro engordando sem parar.
É sentir vontade de voltar pra casa ao final do dia só pra falar e ouvir abobrinhas.
É brigar pelo melhor espaço no sofá na hora do filme.
É emprestar e pegar dinheiro e nunca ter certeza absoluta do tamanho da dívida.
É querer manipular o rádio do carro.
É ir à missa junto.
É brigar pela panela mal lavada (ou não lavada) na vez do outro de lavar a louça.
É ver o outro dormindo no sofá há duas horas enquanto deveria estar estudando e ainda lhe dar mais um prazo de quinze minutinhos antes de acordá-lo para os deveres.
É ver o outro pegando uma gata e sentir inveja.
É ver o outro pegando uma baranga e sentir inveja também.
É ver de longe o outro, feliz da vida, dando risada de uma coisa qualquer e se sentir bem com isso...

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Na feira

(Sempre achei bacana as dedicatórias. Tem os que dedicam músicas, gols, livros. Há 1 ano, um grande amigo dedicou-me a conquista de um troféu. Retribuo, dedicando-lhe esta crônica, a qual sei que é, dentre as minhas, a sua favorita, e também aos demais amigos que estavam presentes palpitando sobre os alfaces, numa das situações que lerão a seguir, e que dias depois, junto comigo, foram confundidos com os integrantes de uma banda sertaneja, história que estou devendo há algum tempo. Por ora, mais uma do fundo do baú...)


Fui à feira e comprei quatro caixas de morango, uma dúzia de laranjas, duas pencas de banana, algumas verduras, um pastel e um caldo de cana.
Não, não se trata daquela velha brincadeira em que a gente inventa que foi na feira comprar coisas e quando chega a sua vez de falar, você tem de lembrar do que todos compraram até então e dizer alguma coisa nova, e quem não acertar a ordem das coisas tem de pagar uma prenda. Hoje eu realmente fui à feira, com meu pai.
Não tenho prática na escolha de vegetais e também não sei o que seria um preço justo para cada um deles, portanto minha função era ajudar meu pai a carregar as sacolas. E, ao final da empreitada, a merecida recompensa: pastel e caldo de cana.
A feira em questão acontece toda-terça feira num bairro de São Paulo onde moro desde que nasci. O mecanismo da feira é bem distinto de uma outra que conheci numa cidadezinha no noroeste do Paraná. Lá a feira começa religiosamente as 17h, inclusive com o soar de um apito, que permite que as pessoas iniciem suas compras.
Minutos antes do soar do apito, algumas pessoas já se prostram em frente à barraca do alface, produto provavelmente escasso na região, haja vista a concorrência para apanhar o seu...maço?
Abro aqui um parenteses para comentar uma questão levantada naquela ocasião. Justamente discutindo a disponibilidade de tal hortaliça, estávamos quatro amigos e eu nos indagando sobre qual o nome que se dá para um conjunto de alface. Cada um tinha seu palpite, alguns razoáveis e outros completamente impossíveis e fora do bom senso. Eis as opções:
1 – Pé de alface
2 – Cabeça de alface
3 – Maço de alface
4 – Moita de alface
5 – Buquê de alface (meu palpite)
Como não chegávamos a um consenso, fomos pedir opiniões alheias e o placar ficou mais ou menos empatado entre pé de alface e maço de alface. Mas no fundo, isso é coisa regional, tenho certeza de já ter ouvido por aqui os feirantes das barracas de alface gritando ´´Dois buquê é um real!´´ ou algo que o valha.
A feira daqui é muito diferente. Lá, apesar do inicial fuzuê causado pela compra de alface, a feira em si é silenciosa, ninguém grita nada, todos sabem onde achar o que querem, até porque não há lá muitas opções. Aqui, primeiramente, a não ser que esteja muito enganado, não há apito ou sirene que nos diga quando podemos iniciar as compras. É bem verdade que nunca compareci ao inicio da feira, que aqui é de manhã bem cedinho, mas ninguém nunca me falou sobre tal peculiaridade.
O que pra mim melhor caracteriza a nossa feira, ou, no meu mundo bolha de antigamente, todas as feiras do mundo (ainda acredito que a maioria seja assim) é aquele furdúncio e desordem causados pelos transeuntes que fazem de seu próprio trânsito algo mais caótico que as avenidas indianas que vemos as vezes na televisão e a gritaria protagonizada pelos feirantes.
- UMA DÚZIA DE LARANJA È UM REAL!
- OLHA A BANANA PRATA, SETE REAL DUAS DÙZIA! QUEM VAI LEVÁ??
- um real o saco de alho, um real o saco de alho.
- OLHA A MANCA ROSATA, TUAS, TOIS REAIS!
Como não tinha obrigação de ficar escolhendo nada, enquanto esperava meu pai, eu ficava atento às chamadas dos feirantes. O cara das laranjas era bem engraçado, dizia ele, além da frase já citada – UMA LARANJA DÁ UM COPO DE SUCO! OLHA O TAMANHO, PARECE UM CÔCO! – ou ainda – LARANJA ASSIM VOCÊ NÃO COMPRA NEM NO MAPPIN!
Eu nem me lembrava que existia uma loja chamada Mappin, e que eu me lembre lá não se vendia esse tipo de mercadoria. De qualquer forma, via-se que o feirante fazia de seu oficio uma diversão, e levava jeito para a coisa.
O homem do alho era um velhinho ambulante, que parecia mais estar fazendo um comentário ultra-secreto com seus botões do que tentando vender os alhos que estavam empacotados em suas mãos. Já o sujeito da manga, apesar de trocar o ´´g´´ pelo ´´c´´ e o ´´d´´ pelo ´´t´´, era o único ali que sabia usar o plural.
Além dos feirantes, inevitável não reparar nos compradores, muitos deles conhecidos meus. Esta feira fica perto de uma casa que eu morava antigamente, há uns 10 anos. Desde que me mudei de lá, raramente ia à esta feira. Mas estavam lá, meu antigo professor de música, a senhora que cantava no coro da igreja, a velhinha que faxinava os corredores de uma escola dos arredores onde estudei da 1ª á 3ª série do fundamental, e tantos outros que eu conhecia só de vista.
É muito mais fácil para alguém reconhecer uma pessoa que passou dos 40 anos para os 50, ou dos 54 para os 64, do outra reconhecer alguém que passou dos 10 para os 20. Por isso acho que reconheci tanta gente e, surpreendentemente, apenas a senhorinha da faxina me reconheceu. Veio falar comigo, perguntar como eu estava, perguntou da familia, inclusive do meu avô, que falecera há 8 anos.
Passam-se tantos anos e as coisas não mudam. Pra dizer bem a verdade algumas mudaram sim: lembro-me que antigamente havia um pessoal que vendiam fitas K7 na feira; hoje eu vi dois ou três sujeitos vendendo DVDs (2 por 5 real). Os pasteis; lembro-me de ficar na duvida cruel (queijo, carne ou pizza, piorando drasticamente quando adicionaram os de frango com catupiry e palmito). Hoje atendem pelos nomes Casal 20 (queijo com carne e azeitona), Carioca (frango com palmito e catupiry), além dos ´´tradicionais´´ de 4 queijos, camarão com catupiry LEGITIMO (afinal de contas hoje em dia tem muito pilantra por aí botando requeijão e dizendo que é catupiry) e vários outros.
Apesar da barulheira, foi uma manhã bastante agradável, nostálgica. O grande prazer de perceber que pode passar o tempo que for, podemos conhecer novos lugares, aprender coisas novas, adquirir nova visão do mundo, e por vezes nos iludirmos achando que entendemos muita coisa sobre tudo, lamentando estar tudo indo para o buraco, mas haverá sempre uma antiga feira para nos lembrar que a essência continua a mesma; na dinâmica das relações, é ali que encontramos sua raiz. E assim, nos proporcionar algum tipo de alívio.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Para contar para os netos

(Dando sequência à série "Ensinamentos da melhor idade" - e que não me leiam Rubem Alves ou Woody Allen que, quase octagenários, afirmam que ainda não descobriram o que há de tão bom nesta fase da vida - posto aqui uma crônica anciã, a primeira que escrevi quando resolvi me enveredar por tal atividade, e que já está quase fazendo seu primeiro aniversário)


Chegamos em cima da hora: 15h32. Meu pai e eu adentramos e nos sentamos nos assentos por nós comprados e uma voz feminina no alto-falante já apresentava a atração, a expressão máxima da ala feminina da jovem guarda, Wanderléa.
A banda inicia a primeira canção e a voz de Wanderléa nos dá o ar da graça antes de sua presença física, e nisso já se ouvem animados aplausos e saudações. Eu procurando me ambientar faço o mesmo e aproveito também para reparar nos meus colegas de platéia. Noto que sou, por uma margem segura de três décadas, a pessoa mais jovem do lugar. E a conta é feita tendo por base meu pai, pois sem ele por ali poderiamos somar à conta pelo menos uma década sem causar prejuízo à veracidade da descrição.
Para quem não conhece o teatro do Sesc Pompéia, ajudo na vizualização geográfica: Existem duas platéias, a par e a ímpar, sendo que uma fica de frente à outra com o palco no meio, e paredes de tijolo nas laterais do palco fechando seu formato retangular. Assim sendo, o artista ora olha pra platéia par, dando as costas para a ímpar, ora faz o inverso.
Desta forma, caso Wanderléa tenha sido imparcial, o que de fato me pareceu, fiquei metade do tempo vendo suas costas, o que devo assumir era uma visão surpreendentemente agradável, haja vista ter a cantora já ultrapassado a conta dos sessenta. No entanto durante as investidas de Wanderléa em direção à plateia oposta, eu também aproveitava para dedicar minha atenção às pessoas que a compunha.
O que eu via não me deixava dúvidas de que ao menos três ou quatro asilos, ou casas de repouso resolveram mobilizar-se e levaram seus moradores para ver o show de, possivelmente, uma das maiores referência de suas juventudes. Seja ela referencia comportamental, de beleza ou ambas.
E como se divertiam as velhinhas! (haviam também velhinhos, porém em número bem diminuto) Cantavam quase todas juntas, não erravam uma frase sequer, pediam músicas, conversavam com Wanderléa no intervalo das canções, queriam ser notadas pela ídola, queriam ser como ela, mas era nítido que os muitos anos que separaram a jovem guarda do presente momento foram mais impiedosos para as fãs do que para a ídola.
Enquanto Wanderléa esbanjava beleza, suingue, sensualidade (sim, sensualidade) no ´´auge´´ de seus sessenta e poucos, vez ou outra podia-se ver uma senhorinha ou outra levantando de seu assento, pegando a bengala, ou andador, e dirigindo-se ao banheiro. Que contraste!
Mas não fiquei triste. Confesso não conhecer a fundo o trabalho da Wanderléa, mas durante o show pude notar ser ela uma senhora muito descente, dedicada a seu público, e imaginei que tenha sido uma boa referência quando de sua maior exposição na mídia. Muito melhor do que muitos dos novos ídolos que aí estão.
Boa cantora, banda muito eficiente, um ´´show nostalgia´´; Até eu conhecia pelo menos metade das canções. Uma tarde para mim muito agradável, que dirá para o resto do público. Mas não iria passar sem um clímax. A última música do show foi aquela sobre um casamento, em que chega uma moça e pede que o juiz pare, e coisa e tal. Havia junto às garrafinhas d´agua que Wanderléa bebia no intervalo das músicas, um buque de flores, que julgava eu ser apenas um objeto decorativo. Não era.
Como nas festas de casamento, Wanderléa, acredito que num ritual típico de seus shows, jogaria o buquê para as mulheres, e aquela que o apanhasse, segundo uma das lendas mais antigas de que se tem notícia, seria a próxima vítima do matrimônio. Nisso começa um ligeiro tumulto causado pela pequena multidão de senhoras que se dirigem para perto do palco, afim de tentar agarrar o buque. Um verdadeiro desfile de cabelos brancos, bengalas, oclinhos garrafais e um entusiasmo surpreendente. O problema é que havia duas platéias, a par e a ímpar, e Wanderléa não sabia o que fazer.
Antes que ela tivesse que tomar uma decisão deveras parcial para a ocasião (imaginem se ela escolhesse uma das platéias em detrimento da outra, que frustração causaria em metade das pobres velhinhas), apoiando a mão direita na coluna lombar, a passos vacilantes, uma senhora de chapéu de praia, toda de branco e óculos escuros sobe no palco e, naquele ritmo típico da jovem guarda, começa a dançar com a cantora.
Parecia filme, foi fantástico, ela remexia e apontava os indicadores para Wanderléa, numa dança que deve ter sido moda fim dos anos 60, arrancou efusivos aplausos e assovios da platéia, e certamente deixou muita gente com inveja. Pelo menos a mim deixou.
Claro que não por ter levado o buque da Wanderléa, e nem por ter dançado com ela, mas por sua coragem, sua presença de espírito, por sua mentalidade de "dane-se tudo, que pensem o que quiserem". Não sei se esse tipo de coisa vem com a idade, ou se vai com a idade, acho que depende de cada um. As vezes nas rodas de amigos ficamos conversando sobre curtir a vida, sobre ter histórias pra contar para os netos, como se só na juventude é que pudéssemos fazer loucuras, nos aventurar, botar tudo a perder, "passar carão" e depois de muitos e muitos anos, quando o neto vier nos visitar, possamos chegar para ele e dizer "meu neto, quando eu era jovem..."
Sai de lá com a vontade de que daqui uns 50 anos, estivesse eu na frente de meu neto, e depois de pedir-lhe que pegasse uma cervejinha no congelador, ele sentasse à minha frente e eu, como certamente fez aquela senhora depois de alguns dias, pudesse dizer "meu neto, você não sabe o que eu fiz essa semana...".

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Só pra saber

Como este humilde blog não possui um contador de visitas, me obrigo a pesquisar de alguma forma a frequência com que leem meus textos e quantificar os seguidores (inclusive os até então anônimos) que possuo, além de avaliar o tipo de leitura que mais lhes agrada. Não que isto vá exercer alguma influência na escolha dos temas sobre os quais pretendo discorrer, mas a curiosidade é grande o suficiente criar este post. Não vai mudar nada, é só pra saber mesmo.
Façam a gentileza de, por meio de comentários, dizer qual a crônica que mais gostaram. Para não ter de descer toda a página, refresco-lhes a memória. Até agora foram postadas:

- Vaga na ABL
- Presente de Natal
- Intermed
- Tanto o cinema quanto o estacionamento
- Conversas de Botas Batidas.

Agradeço as manifestações de apoio e elogios; é um grande prazer saber que uma diversão minha (escrever) proporciona-lhes momentos agradáveis. Adianto que independente da adesão ao blog, continuarei postando meus textos semanalmente. Afinal de contas...

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Conversas de botas batidas

(Quebrando um pouco o ritmo, antes que venha a crônica do PraiaMed para acabar com a ânsia de meus novos amigos cearenses e de todos aqueles que seguem as minhas presepadas e de nossa trupe, posto hoje um texto de caráter mais reflexivo, que escrevi quando da minha última ida à terrinha)


Quarta-feira passada fui visitar minha avó. Ela mora numa casa de repouso no mesmo bairro de São Paulo onde fica a casa da minha família. Trata-se de um grande imóvel térreo, cheio de velhinhas simpáticas (alguns poucos velhinhos também) e funcionários muito pacientes e bem-intencionados.
A vó Teresa é minha única avó ainda viva. De alguns poucos anos para cá, quando, desde a morte de meu avô, passou a morar sozinha, ela foi ficando gradativamente mais debilitada e dependente, sofrendo quedas mil, esquecendo panelas no fogo e se adoentando com grande facilidade. A única solução possível foi a casa de repouso, pois todos os seus filhos trabalham e não havia a mínima possibilidade de dar toda a atenção e cuidados que uma senhorinha de mais de oitenta anos, nas condições em que se encontrava minha avó, necessitaria.
Pois bem, na tarde de quarta-feira fui visita-la. Quando lá cheguei, passei pela sala de estar/visitas e segui pelo corredor para uma área comum onde estavam muitas velhinhas desenhando e pintando. Ali não encontrei minha avó, no entanto de imediato ouvi sua voz vinda de um lugar próximo e descobri que ela estava no banheiro lavando as mãos; já havia finalizado sua atividade.
Ao sair do banheiro e me ver (de perto, pois ao meu primeiro sinal, quando estava a cerca de dois metros de distância, ela me respondeu com um ''pois não'') ficou felicíssima e fomos nos sentar na sala de visitas, para colocar o papo em dia.
A vó parecia muito bem. Das ultimas vezes que eu a vi, ela parecia bastante cansada, falava muitas abobrinhas, além de ser muito queixosa, demorava para responder, o que parecia demandar um esforço tremendo. Desta vez foi diferente, a vó estava bastante animada, perguntou da faculdade, falou sobre a família toda, que a Fernanda vai ser madrinha do Wagner, que o Cesinha vai casar, falou das amigas da casa, que a Dona Isabel e a Dona Teresinha haviam falecido a pouco, reclamou que suas coisinhas andavam sumindo lá na casa, entre outros eventos de seu cotidiano.
Estava eu estranhando o fato de até então a vó não ter inventado nenhuma história sem pé nem cabeça, que sempre acontecia quando recebia visitas. Uma hora aconteceu.
Depois de ter perguntado quanto tempo faltava para minha formatura, comentou que o prefeito de São Paulo disse numa entrevista que estava faltando emprego para médicos, mas que não havia nada a temer pois quem precisasse arrumaria um ''bico'' na televisão, inclusive me perguntou se eu não havia aparecido no programa ''Namoro na TV''.

Resolvi que seria melhor mudar de assunto e perguntei sobre Dona Neide, uma senhora de pouca idade e super lúcida que também mora lá, mas que nunca recebe visita de seus filhos e familiares. (O que em verdade não é fato isolado e nem raro em instituições como esta). A vó disse que ela estava bem e que deveria estar desenhando, e em menos de meio minuto a Dona Neide em pessoa apareceu e juntou-se a nós.
Vó Teresa – Ô Neide! Olha quem tá aqui! Meu neto, ele mora no interior (moro em Florianópolis). Vai ser médico.
Neide – Ah! Muito prazer (essa foi nossa quinta apresentação, no mínimo)...Nossa, Dona Teresa, eu tava lá pintando as escamas do meu peixe, mas eram muitas, ainda não consegui terminar.
Vó Teresa – Eu vi, a senhora pinta muito bem. Eu fiz lá umas garrancheiras e botei meu nome. Tá bom. Uma casa e uma árvore...parecia um barraco (risos)...Mas e seus filhos não vem hoje?
Neide – Não, hoje é dia de feira. Sabe, meus filhos são feirantes, cada dia num lugar, é difícil para eles me visitarem.
...(silêncio)...(nisso chega uma outra senhorinha e se senta numa poltrona em frente a nós).
Neide – Bom, vou lá terminar as escamas do peixe que eu fiz, são tantas.
Vó Teresa – Ah! Foi um peixe que você fez? Deve ter ficado muito bonito!
Nisso eu e a vó resolvemos dar atenção à senhora que havia a pouco sentado de frente a nós. Ao que parecia, ela também não havia recebido visitas e ficou contente com nossa intervenção. Seu nome era Maria, disse que nascera em Uberaba, no que minha avó comentou ''meu filho ia muito pra lá''. (meu tio morou um tempo em Uberlândia, cidade vizinha). Perguntei-lhe porquê resolveu vir pra São Paulo, e ela respondeu que veio para esquecer seu primeiro namorado.

A partir daí seguiu-se uma narrativa e tanto. Dona Maria contou-nos que quando tinha dezesseis anos namorava um moço pelo qual era apaixonada. Eram muito felizes até que um dia descobriu que o rapaz havia engravidado outra mocinha da cidade, e portanto, era obrigado a casar-se com ela. Contou-nos que foi ao casamento, e que depois da cerimônia foi a única pessoa que permaneceu na igreja, e que ali chorou muito, como nunca fez nem antes, nem depois em toda vida. Passados alguns meses seus patrões mudaram-se para São Paulo e ela pediu para vir junto, pois achava que conseguiria começar nova vida, sem pensar em seu antigo amor.
Engano seu, disse-nos que esquecer o primeiro amor é coisa das mais impossíveis. Chegou a casar-se, teve dois filhos. Tocou a vida, mas sempre com o moço na lembrança. Contou-nos então, que certo dia, há muitos anos, estava ela numa cabine de telefone público, no Bairro do Limão, quando sentiu uma mão tocar-lhe o ombro. Quando virou-se, de pronto reconheceu-o, era seu antigo e primeiro amor. Ele disse-lhe que não conseguia tirá-la do pensamento, que ficou sabendo de seu paradeiro e resolveu ir atrás, pois não poderiam ser felizes de outra forma senão um ao lado do outro.
Disse Dona Maria ter respondido que não era mais possível, que ela possuía uma família, marido, filhos, que a chance já havia passado, não dava mais. Ele apesar de muito triste, compreendeu e foi embora. Depois disso nunca mais se encontraram. Peguntei-lhe se ela havia voltado a Uberaba (no que vó Teresa comentou ''meu filho ia muito pra lá, dizem que a comida é boa''), e ela respondeu que só duas vezes, a passeio.

Não foi a primeira nem a segunda história com ares fantásticos que ouvi durantes as visitas que fiz a minha avó desde que lá fixou moradia. Histórias de infância, de amores impossíveis, de chegadas e partidas. Histórias maravilhosas, as vezes muitos tristes, mas que, verdadeiras ou não, nesta época da vida já não faz diferença. Grande parte dessas narrativas foram lapidadas durante longo tempo, a partir do momento em que todos aqueles projetos e sonhos de toda uma vida não tem mais como tomar lugar no mundo real, e ficam sendo remoídos na lembrança, até que o pessoa, impossibilitada de lidar eternamente com a tal frustração, passa a contar a ''versão ideal'' da história, até que de tanto repeti-la, passa realmente acreditar ser esta a verdadeira.
Mostrar interesse e dar crédito a essas fábulas é o mínimo que podemos fazer ao ouvi-las, proporcionando algum tipo de alento àqueles que, já sem muitas perspectivas futuras, não tem outro remédio senão tentar fazer com que os outros acreditarem que a passagem delas pela vida teve algo minimamente importante, e digno de ser lembrado.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Tanto o cinema quanto o estacionamento

("Meu caro Pedro, muito obrigado pela mensagem e pela crônica, que li com prazer. Vc leva jeito! Uma sugestão: procure uma oficina de crônicas. Há muitas, agora, e em geral funcionam bem. Desejo-lhe sucesso - nas crônicas e na medicina! Abrs. Moacyr". Tal manifestação de apoio do nosso grande Moacyr Scliar, a quem mandei há algum tempo "Vaga na ABL'', texto que inclusive já postei aqui, me motivou a antecipar esta crônica, que escrevi ontem, animado com a mensagem)


Certa vez conheci no Pida, bar em frente à faculdade onde ocorrem todos as festas e trotes de início de semestre, uma moça bem bacana. Morena, alta (não tão alta a ponto de eu ter de me preocupar com meus modestos 1,71m), quartanista de pedagogia, uma garota muito interessante. Papo vai, papo vem, trocamos telefone e depois decidimos nos encontrar. Minha sugestão não foi lá das mais originais: cinema no shopping, mas para um primeiro encontro sempre me parece uma boa escolha.
É bastante conveniente esta opção. Sugiro que nos encontremos na livraria local e chego alguns minutos antes, com pretensões de localizar previamente alguns livros interessantes, com cujos títulos ou autores tenho certa familiaridade (não preciso necessariamente ter lido os volumes) e fico nalgum ponto estratégico da loja de modo que, quando nos encontrarmos, passaremos obrigatoriamente por tais livros e eu discorrerei sobre eles, da forma mais natural já imaginada. É importante tentar impressionar no primeiro encontro, cada um tem seu modo, este é um dos meus.
Como é completamente impossível chegar depois das mulheres nos encontros, por mais atrasado que eu imagine estar, sempre consigo localizar os livros que quero nas livrarias. Mas tem de ser feito na medida certa. É só pra moça saber que você é antenado nas coisas, não um nerd abobalhado. Falar sobre Jorge Amado, Moacyr Scliar e até um Machado soa bem. Paulo Coelho e Augusto Cury já são meio controversos. Agora, se por uma fatalidade qualquer seu dedo apontar para alguma capa em que se leia “Ditado por Lucius”ou outra coisa que lembre a Zibia Gaspareto, sua noite estará seriamente comprometida.

Na noite em questão, depois do encontro inicial na livraria fomos comprar as entradas para o cinema. Quando nos aproximamos do guichê notamos uma grande faixa que informava: ''Quinta do beijo: os casais que se beijarem na frente do caixa pagarão meia entrada''. Comecei a prever ali que as coisas não iam dar muito certo. Eu teria de mudar o velho plano do papinho culto na hora dos trailers, da mão deslizando pela cabeça da poltrona até o abraço completo durante os minutos iniciais do filme, daquela cena inevitável de horizonte, planejada por todos os produtores de filme para que casais de primeiro encontros arrisquem o primeiro beijo, e todo o resto desse ritual secular. Mas onde que esse o dono do cinema estava com a cabeça em concordar com essa promoção?
Pois bem, improvisemos, então. A atmosfera claramente mudou, nem eu nem ela sabíamos o que esperar um do outro quando chegasse a hora de pegar os ingressos. Minha situação era muito pior, eu é quem deveria tomar a iniciativa, fosse qual fosse. Resolvi que quando chegasse a hora, eu lançaria um olhar fatal, daria uma piscadinha e iria me aproximando numa velocidade adequada, mas somente até os 90% da distância total, porque aprendi com Hitchie, o conselheiro amoroso, que os últimos 10% são com elas.
A medida que a fila foi avançando, fiquei ensaiando algumas piscadelas olhando para a parede, tentando conter o crescente nervosismo. Quando chegou a fatídica hora, a senhora do caixa nos abriu um sorriso e ficou esperando alguma reação, mas vendo que nada acontecia, levantou o queixo num gesto claro que significava ''vai ou não vai''. Tomei coragem, olhei pra a moça e lancei a piscadinha, infelizmente, devido à tensão, ou à repetição forçada do movimento durante o ensaio, a singeleza da coisa se perdeu e parecia que eu estava tendo um espasmo muscular. Antes mesmo de eu começar a aproximação, a moça se virou para a vendedora e pediu firmemente ''nós queremos duas meias-entradas para estudantes mesmo”.

Foi um golpe duro, pensei por alguns instantes que o encontro tinha ido por água abaixo, mas eu não podia desistir tão facilmente, afinal de contas já havia investido algum dinheiro na compra dos tickets. Por exigir esforço dobrado, numa situação deveras desfavorável, me lembro pouco dos pormenores da conversação e de toda a sequência que levou à consumação do fato. Consegui contornar tudo e as coisas deram certo. Só fomos atrapalhados pela escolha infeliz dos assentos, que faziam um barulho terrível que incomodou metade da plateia. Raras foram as oportunidades em que escutei tanta gente pigarreando e fazendo comentários em meio tom dirigidos a mim. Numa delas eu e uma outra garota (devíamos ter uns 16 anos) erramos o horário da sessão e tivemos que assistir ''O espanta tubarões'', uma animação infantil. É fácil imaginar o furor da criançada e a indignação de seus pais ao ver um jovem casal curtindo o escurinho do cinema de maneira que os primeiro o fariam no mínimo dali a uns oito anos e os outros já deixaram de fazer também há algum tempo.
Sou cinéfilo inveterado, e quando não vou ao cinema acompanhado também não gosto muito de ser atrapalhado pelas manifestações dos casaizinhos apaixonados. A concentração no filme fica especialmente prejudicada quando existe um casal a menos de cinco poltronas de distância e a gente tá naquela fase meio zero a zero. Mas o que se há de fazer? O cinema foi feito pra todos, inclusive hoje em dia fabricam as poltronas com braços móveis, para facilitar a vida e movimentação dos mais afoitos. Não podemos reclamar.
Se o filme foi bom ou ruim não posso afirmar com clareza, mas sai do cinema satisfeito por ter colocado as coisas nos conformes. Pegamos a última sessão do dia, portanto a única alternativa possível era pegar o carro no estacionamento e ir embora. O carro dela, que no caso me daria uma carona de volta para casa.
O estacionamento custou apenas quatro reais, mesmo valor da entrada do cinema. Eu, como manda os bons costumes, paguei tudo. Enquanto nos dirigíamos para o carro, feliz da vida por ter me saído relativamente bem depois de todos os reveses, resolvi puxar papo, mal desconfiando que ainda estava por vir a gafe-mór.

Eu: O preço das coisas aqui é mais barato do que lá em São Paulo
A moça: ------------------
Eu: Tanto do cinema quanto do estacionamento.

Sabe quando estamos meio distraídos e pensamos que a pessoa vai concordar com o que acabamos de falar, ou dar sequência à conversa, e por isso acaba nem ouvindo direito o que a pessoa disse? Pois então, foi isso que aconteceu comigo naquela hora. Eu juraria que os tracinhos da fala da moça poderiam ser substituídos por algo do tipo ''de que coisas você está falando''. Quando na verdade o que ela tinha dito era ''você quer que eu te devolva o dinheiro do cinema?''

Por uma sorte absurda ela percebeu rápido o que tinha acontecido e me salvou de acabar a noite sem carona e sem nada. Demos risada juntos da situação e voltamos para casa. Ela deve ter me achado um cara muito divertido, até porque na semana seguinte combinamos de assistir DVD no meu apartamento. Um programa menos sujeito a atribulações. Mesmo assim eu consegui me complicar.
Para combinar com o estilo do programa, resolvi comprar vinho e chocolate, e num primeiro momento parece que agradei. A única coisa com a qual não me preocupei foi em saber se eu tinha um abridor de vinhos em casa. Passei minutos constrangedores com a garrafa no meio das pernas, tentando empurrar a rolha garrafa abaixo usando uma caneta Bic.
Nessa altura do campeonato já devo ter acabado com todas chances de me dar bem com qualquer moça que esteja lendo este texto. Mas se até daquela vez as coisas deram certo, não deve haver muito mais com que se preocupar. Aprendi que ser divertido (com certa moderação) é um ponto positivo, talvez essencial. No mais, o que vale é a intenção.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Intermed

(Para matar a saudades dos que foram, tentar explicar aos que nunca terão essa oportunidade e, essencialmente, motivar aqueles que possuem a chance de ir, mas por motivos invariavelmente incompreensíveis, ainda não foram)



QUEM GOSTA DE PUTARIA DÁ UM GRITOOO!!! Fon fafon fafon fafon......
Deitado aqui no sofá de casa, num fim de tarde chuvoso, a roquidão da voz e o cansaço mortal que me impede de caminhar 3 metros até a cozinha para apanhar um copo d´água me asseguram do quão proveitoso foi esse tal de intermed sul, evento anual que proporciona aos estudantes de medicina desta região do país alguns dias de competições, festas e muita, muita diversão.
Desta vez o intermed aconteceu na saudosa Cascavel, no interior paranaense, terra de meu grande amigo, mestre Marchewicz (ou Chicão, para seus conterrâneos). Por experiências prévias, e pelo amor que tenho à vida (este amor possui duas interpretações válidas, a primeira, por reconhecer o potencial do evento, de proporcionar momentos ímpares e inesquecíveis, e a segunda porque ao mínimo indício de pretensões de não ir ao intermed, sou seriamente ameaçado de morte pelos demais moradores aqui de casa) evidentemente que estive lá, tendo a oportunidade de vivenciar muitas das presepadas que seguirão este prenúncio.
A cronologia dos acontecimentos pouco importa, pois por motivos de alcoolismo maior, terei poucas testemunhas para atestar sua veracidade. Mas o fato é que na ida, quando da parada dos nossos ônibus para a janta, eis que encontramos uma universidade adversária. Em número ridiculamente menor, apática e particular, a tal faculdadezinha foi humilhada por nossa delegação que, do alto dos bancos e mesas do restaurante, ensurdeceu a delegação rival, as familias, os funcionarios locais, e até uma freira (Irmã Eulália, eu a conheci depois) que estavam presentes, jantando tranquilamente antes da invasão e que tiveram o privilégio de ouvir nosso coro empolgado cantando: MÉDICO PRA CÁ, ENFERMEIRO PRA LÁ, MÉDICO PRA CÁ ENFERMEIRO PRA LÁ... Seguimos viagem após sermos expulsos do restaurante pelo batalhão de choque da cidade.

AHH, É O INTERMED E EU TO PELADO, AHH, É O INTERMED E EU TO PELADO!!....Esse é um dos estribilhos que todo mundo canta e quase ninguém leva a sério no Intermed. Quase.
Em verdade, quase ninguém hoje em dia se importa muito de ver outrém seminu, desde que escondam as partes íntimas. Subvertendo a lógica, alguns perspicazes companheiros de turma resolveram mostrar apenas o fundamental. Para uns, mostrar apenas o contorno através de uma fantasia de super-herói, de tamanho apropriado para crianças de 10 a 12 anos foi quase sempre o suficiente. Houve quem duvidasse do tamanho do contorno e, segundo boatos, acabaram se arrependendo.
Alias não quero estragar a surpresa de ninguém, mas antes que passem por situações desconfortáveis, do tipo daquelas em que a menininha comportada vai mostrar um álbum de fotografias com os momentos de confraternização da sua turma de faculdade para a família toda num churrasco e de repente aquela tia solteirona pigarreia e cutuca a menina com o cotovelo, perguntando o nome do menino do canto direito, e a menina descobre um detalhe ao lado da orelha do cara que está agaixado imediatamente à esquerda do tal sujeito indagado pela tia e vira a página do álbum de supetão. Deem uma checada geral nas fotografias em que aparecem os rapazes da 07.2. É apenas uma sugestão.

FEDERAL TÁ CHEIA, TÁ, TÁ, TÁ, TÁ, TÁ, CHEIA DO QUE.....
Agora, para quem não foi, um pouco do que vivi, do que vi, e do que não vi no Intermed, algumas das quais muito me orgulho, por mais estranho que pareça:
- Uma pessoa recebendo uma nota de um real de esmola, rasga a nota, come a nota e apaga um cigarro com a boca na sequência.
- Uma pessoa tentando incendiar o cabelo de um indivíduo da torcida adversária com um isqueiro durante um jogo de handball.
- Uma pessoa que foi levada para o hospital por bebedeira, e ao ser indagado pela quantidade de bebida ingerida, responde ´´mais de vinte baterias´´.
- Uma pessoa vomitando verde na porta do alojamento, sendo incentivado por pessoas alheias que cantavam ´´Não pára, não pára, não pára´´ ou ´´só mais um pouquinhooo, só mais um pouquinhooo´´
- Uma pessoa chorando pelo êxito de sua faculdade, emocionada por ver sua equipe campeã em sua ultima participação no intermed.
- Uma pessoa fazendo uma cesta de 3 pontos no final do basquete feminino.
- Um grupinho envolvendo gente de quase todas as fases do curso, dançando no meio do alojamento até a hora do café da manhã.
- Um grupinho sentado numa garagem, tomando cerveja, comendo churrasco e falando abobrinha....

Na realidade, cada um tem seu próprio Intermed, vivencia determinadas situações e guarda na memória momentos-chave. Aposto que se cada um que lá esteve se animasse a escrever sobre ele, teríamos a impressão de que foram vários eventos aleatórios, com uma pequena conexão qualquer entre si. Da minha parte, o que posso dizer é que volto deste intermed com uma sensação muito boa, orgulhosíssimo pelos amigos que tenho, pela atitude e presença de espírito que mostraram possuir, e por ter pessoas como eles para dividir esses tais momentos-chave.
....MARADOONAAAA, DIEGO ARMANDO MARADOONAAAAA...

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Presente de natal

(Esta crônica foi inspirada no relato de um amigo meu sobre seu último natal. Qualquer semelhança com vossos natais será mera casualidade)


21h30 – Noite de natal
Pronto, lá se foi mais um natal. Tá certo, ainda há esse restinho, e daqui a pouco ainda vai passar o especial de fim de ano do Roberto Carlos, mas a essa altura provavelmente já se acabaram todas as festinhas de comemoração entre familiares e amigos, das quais muitos falam tão mal, mas que eu, particularmente, gosto muito.
Não tenho nenhuma desavença com qualquer pessoa da família, e a festa de natal muitas vezes é a única oportunidade do ano que tenho para ver os parentes, e é sempre bem legal. Talvez seja legal justamente pelo fato de ser a única vez no ano, suficiente para contar tudo o que de mais importante aconteceu, e desejar que o ano posterior seja melhor, etc, etc.
Costumamos nos reunir na casa de alguma tia. As pessoas começam a chegar perto das 22h, depois da missa. Já mortas de fome começam a esquentar os tradicionais pratos natalinos, enquanto meu pai faz a batida de maracujá.
Nesse meio tempo vem uma tia perguntando como vai a faculdade, depois outra reclamando da nova doença que apareceu, e que já não consegue fazer mais as mesmas coisas de quando tinha 20 anos. As pessoas começam a surgir da cozinha com os pratos quentes, e entre elas vem um tio com 2 latinhas de cerveja na mão, me oferece uma e inicia uma longa análise sobre o campeonato brasileiro e as recentes contratações dos times paulistas para a próxima temporada.
No meio do discurso ele nota que me deu uma latinha de Nova Schin e está tomando uma Bohemia. Óbvio que eu já havia notado, e talvez não tenha disfarçado tão bem:
- Pô, nem te perguntei se você queria essa!
- Ah tio, não tem problema, cerveja é tudo igual! (traduza-se por: ´´Eu sei que já tá quase na metade da latinha, mas se você quiser trocar eu aceito.)
E tentando melhorar a situação meu tio ainda solta a pérola:
- É verdade, eles fazem tudo meio padrão, eu mesmo ainda prefiro essa aí que você tá tomando ou a Kaiser.
Antes que a conversa se transforme numa ficção científica eu resolvo voltar para as análises futebolísticas:
- Mas acho que o Inter vai dar trabalho esse ano hein...

Passam-se uns minutos e agora todos estão comendo. Como de praxe elogiam a lasagna da tia Sônia, questionam porque desta vez a tia Nêna fez lombo e não pernil e a tia Mirtes se desculpa por ter feito pela enésima vez a mesma sobremesa que meu pai. É tudo muito igual ao que sempre foi e talvez esteja aí a graça de tudo, vem natal e vai natal, e a família nos oferece o conforto da previsibilidade.
E de repente é meia noite. Todos suspendem a sobremesa, abrem uma garrafa de espumante e desejam feliz natal uns aos outros. Que alegria e que aflição, pois ao mesmo tempo é anunciada a hora mais temida da noite: a entrega de presentes.
Tia Mirtes se dirige para o pé da árvore de natal no canto da sala, onde estão todos os presentes, e antes de começar as entregas anuncia que neste ano recebeu uma abonação da empresa e por isso conseguiu comprar presente pra todo mundo. Até me animo com a notícia, pois a tia Mirtes é do grupo de pessoas que dá o tipo de presente necessário.

Antes de prosseguir, deixe-me explicar. Eu classifico as pessoas e seus presentes em três categorias: Aqueles que dão de presente coisas que sabem que estamos precisando, e nesse grupo se encaixa a tia Mirtes, cujo último presente foi dinheiro para um novo jaleco, o que eu realmente estava precisando, mas que acabei utilizando para outros fins. A segunda categoria compreende aquelas pessoas que nem sempre dão presentes, mas sempre que o fazem, dão presentes os quais realmente acreditam que irão agradar-nos e na maioria das vezes isso acontece. Essas pessoas até fazem uma pesquisa pra saber o que você realmente gostaria de ganhar, e as vezes te presenteiam fora de época. Nesta categoria se encaixa minha tia Vera, e a maioria dos amigos. (Há uma subcategoria dentro desta, na qual as pessoas compram presentes legais, mas que além de você, ela também acabará usufruindo, como livros e cds; nesta categoria eu me encaixo). E por fim, o grupo de pessoas que dão presentes por impulso, por problema de ansiedade, peso na consciência, ou sei lá porque, mas nunca falham; elas sempre dão presentes, e em menos de 1% das vezes se trata de alguma coisa que você goste ou sequer irá usar (se for uma camiseta você usará, na melhor das hipóteses, como pijama), trupe esta da qual tia Nêna é grande simpatizante.

- Da Ritinha para o Edu! - começa a tia Mirtes, e assim prossegue até que se esgotem os embrulhos debaixo da árvore. O presente que ganhei da tia Mirtes foi uma camiseta preta que quase me fez trocá-la de categoria. Mas ela tem muitos créditos comigo ainda, portanto fica na primeira. A tensão cresce quando começa a sessão dos presentes da tia Nêna.
Apesar da ligeira apreensão, já tenho vasta experiência no assunto e quando ouço ´´Da tia Nêna para o Mauro´´, forjo o melhor sorriso que consigo, me dirijo a Tia Nêna e antes de abrir o presente abraço-a e digo ´´Obrigado tia, não precisava´´ sento-me, começo a desfazer o embrulho e a me preparar para dizer ´´claro, claro´´ ou simplesmente abanar afirmativamente a cabeça quando estiver segurando algo parecido com uma capa de botijão de gás em frente ao corpo, e ouvir ´´serviu?´´. Mas o que se sucedeu foi muito pior.
A consistência do presente era parecida com a de sempre, portanto não parecia haver nada a temer. No entanto, ao tira-lo do embrulho, fiquei sem ação. A sorte é que fui silenciosamente amparado por meu irmão e todos os primos que abriram seus presentes dado pelo tia Nêna quase ao mesmo tempo e se depararam com a mesma coisa: um toalha. Alias não apenas uma; duas: uma de corpo e uma de rosto. Ao menos ela teve o bom senso de variar as cores, a minha era azul-marinho. Mas o fato é que se instaurou no ambiente um silêncio sufocante, protagonizado não só por nós, os sobrinhos presenteados, como também por nossos pais.
Eu juro que tentei ajudar, mas analisando friamente a situação, apesar de ter quebrado o gelo, acabei dizendo talvez a pior coisa possível, mas infelizmente foi a única coisa que me veio à cabeça: ´´Pô tia! Era justo o que eu tava precisando!´´. Nisso já via os meus primos menores olhando para meus tios com ar de dúvida, outros ainda procurando algo escondido dentro da toalha. Que situação!

Apesar disso, devo admitir que é esse tipo de coisa que me faz gostar do natal, da reunião da família, essas bizarrices particulares de cada um, que colabora e dá sentido a essa sagrada entidade. No fim das contas, talvez seja o primeiro presente da tia Nêna que eu acabarei usando. Uma toalha, apesar de não ser lá um presente que todos gostariam de ganhar, sempre terá sua utilidade.

sábado, 19 de setembro de 2009

Vaga na ABL

Hoje (o6/09), domingo pela manhã, passeando os olhos descompromissadamente pelo jornal enquanto tomava o café da manhã, me deparo com a seguinte manchete: ''Collor agora integra time dos 'imortais' que não se destacam por seus livros''. Realmente, apesar de eu não ser lá um profundo conhecedor da literatura brasileira contemporânea, era pouco provável que eu ignorasse toda a produção literária de uma personalidade tão eminente nas últimas décadas como nosso ex-presidente da república.
Lá pelas tantas leio ''...para Collor, que jamais escreveu um livro, o critério para integrar a casa foi mais generoso: levou em conta artigos, planos de governo e até discursos''. Juntar-se-á a seus amigos de senado Marco Maciel e José Sarney, esses sim, figurões das letras nacionais, cujas obras devem ter sido lidas por algumas dezenas de pessoas, incluindo familiares e amigos.
Collor e sua conquista, apesar de restringir-se ao estado das Alagoas, encorajaram-me a pleitear uma vaguinha na casa do Machado. Seria bacana e útil me tornar conhecido por meus futuros colegas de profissão Moacyr Scliar e Ivo Pitanguy; tomar o tradicional chá perguntando a Paulo Coelho sobre suas parcerias com Raulzito; indagar ao João Ubaldo Ribeiro e ao Carlos Heitor Cony se é possível ser cem porcento verdadeiro e ao mesmo tempo tão engraçado quando se escreve crônicas, além de andar pra lá e pra cá ostentando aquele estofado de poltrona velha que eles insistem em vestir nas ocasiões importantes. Afinal de contas, apesar de possuir menos de um terço da idade da maioria dos imortais, a iniciação precoce no mundo das letras me trouxe um vasto currículo, que irei compilar nas próximas linhas. Flerto com uma corrente literária que me obriga a fugir do trivial, por isso ordenarei-o de acordo com minha trajetória escolar.
Ei-lo:

1a série do fundamental:
- Elaboração de um jogral de final de ano em homenagem a professora Rosana, cujo inicio era ''Querida, amada, idolatrada, salve salve, professora Rosana...'' (inevitável, atualmente, invocar Vanusa ao relembrar da ocasião).

2a série do fundamental:
- Elaboração de um segundo jogral, desta vez para a professora Flávia, com uma adesão relativamente menor por parte da turma.

3a série do fundamental:
- Roteiro e direção de uma peça teatral sobre a Abolição da Escravatura, encenada pelos colegas de sala, na qual princesa Isabel tinha uma terrível enxaqueca e mal sabia o que estava assinando. - Um poema sobre o Dia do Soldado, publicado no mural do colégio.
- Elaboração da terceira edição do jogral, com adesão nula.

6a série do fundamental:
- Após curto período improdutivo, escrevi ''A Oliveira'' um ''livro'' de dez páginas que contava a história de um escravo órfão, desde o nascimento até sua morte (aos 60 anos) .
- Também fui co-autor de um suspense policial escrito por meu primo, de cujo nome já não me recordo. Só me lembro de ter ficado enraivecido por ter meu nome na capa (chegamos a encadernar a obra) como ''co-autor''.

7a série do fundamental:
- Competidor para representante do colégio num concurso nacional de cartas. Havia dois candidatos a vaga e até hoje não me avisaram do resultado.

8a série do fundamental:
- Fundação de um grupo literário, com mais três colegas de turma, que tinha por objetivo escrever um livro de ficção e se reunia todas as sextas-feiras a tarde. Durou quatro semanas, ao cabo da qual nos deparamos a jogar ludo e desistimos do projeto.

2o ano do ensino médio:
- Contos de suspense policial escritos como lição de casa para as aulas de redação, que na verdade eram plágios resumidos dos livros de Agatha Christie, com a substituição de Hercule Poirot pelo detetive Pedro Mendonça. (Fizeram grande sucesso entre a professora Nancy e os colegas de turma, que nunca tinham de ler suas redações pois as minhas ocupavam todo o tempo da aula).

3o ano do ensino médio:
- Composição de quatro canções (letra e melodia) das quais a de maior sucesso intitula-se ''Sobre nós'' e possuí quatro acordes, todos com sétima aumentada.

Período entre a formatura do segundo grau até os dias atuais:
- Coletânea de crônicas, cujo décimo terceiro título é este que agora lês, e que já possui leitores de todos os estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, exceto Mato Grosso, Goiás Rio Grande do Sul e Espírito Santo.

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.