quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Automóveis, família e sociedade


Ninguém nunca tem culpa das barbeiragens no trânsito. Alias, tem: os outros. Eu, pedestre convicto (há quem possa dizer por falta de opção) e quase sempre co-piloto, preciso fazer uma pesquisa muito apurada para tentar lembrar-me de alguma vez em que buzinaços rolaram e a pessoa ao meu lado e ao volante não tenha recriminado o motorista do outro automóvel. Sempre o outro fez a curva muito fechada, ou muito aberta, estava rápido demais, ou lento demais. Regra número 1 da “boa” condução: Nunca temos a culpa.
Impressiona como estar dentro de um carro, no banco do motorista, transforma tantas pessoas. Ali, muitas delas assumem outra personalidade. O conjunto de pedais, câmbio e volante dão um poder transformador a certos indivíduos de dar inveja às mais hipnotizantes drogas sintéticas. Pessoas ao volante se despem de seus temores e fragilidades, e como num escape de sua impotência existencial, doam toda sua energia às mais estrambólicas condutas e manobras, seguidas de reações descabidas, potencializadas por xingamentos e buzinadas, isso quando a coisa é leve.
                
Ainda vivemos em um tempo em que possuir um carro denota certo status. Quase todo jovem quer ganhar/comprar seu carro o mais cedo possível. E não sejamos hipócritas, ter um carro ajuda em muitas coisas. Mas seria muito interessante se boa parcela da turma usasse o carro, nem que por metade do tempo, de maneira socialmente responsável. Mas ninguém tá nem aí. Numa sociedade regida pelo consumo, “quanto mais excludente for minha compra, mais status eu terei”. Então, como em geral todos compram uns carros mais ou menos parecidos, haja vista nossa economia que permite um mercado automobilístico absurdamente oligopolizado, sem concorrência (aí já outro assunto), o negócio é botar um aparelho de som que sozinho satisfaria um rodeio e sair cantando pneus.
Se o problema fosse simplesmente referente a mostrar “poder” por possuir um carro, a coisa ainda tava bonita, mas é que o fato de todo mundo querer ter carro pra usar do jeito que se usa, vira bagunça.
“Cidade avançada não é aquela em que os pobres tem carros, mas sim aquelas em que os ricos utilizam o transporte público”. Esta frase do ex-prefeito de Bogotá, Enrique Penarosa, parece poder jogar parte da culpa no poder público, que pouco investe para que possamos de fato deixar de usar os carros. Pode até ser, mas há de se explicar à turma que enquanto vizinhos saírem de casa dirigindo cada um seu carro de cinco lugares, levando somente uma pessoa, e todos indo mais ou menos para o mesmo lugar, os congestionamentos nunca acabarão. Enquanto ninguém pensar coletivamente, sofreremos ad eternum, o indivíduo e o coletivo. Também temos de fazer nossa parte.
               
Há quem diga que esse individualismo, expresso, entre outros, por essa questão automobilística, faz parte de um processo social em curso, que prioriza o indivíduo em detrimento da família, o chamado “pós-familismo”. Neste conceito, as pessoas se identificam mais com classes do que com a família. Daí a questão implícita, mesmo que aparentemente oculta, da necessidade de ter um carro. Além disso, estamos num tempo em que as pessoas preenchem suas vidas com bens de consumo, além da pressão social pelo “investimento pessoal”, e até um impulso da família moderna, que objetiva criar “indivíduos autônomos”.
Tudo isso cria uma miscelânea conflitiva e alienante na cabeça da turma, que acaba por simplesmente seguir o fluxo. Só pode ser isso, pois, para mim, é totalmente impensável uma vida sem família. O que acontece é que temos enraizada a ideia de família como a conexão obrigatória por laços consanguíneos. Tudo bem, isso é família, mas é uma das configurações possíveis. Penso, como li recentemente, e como tive o privilégio de constatar desde cedo, que família vai muito além da concepção tradicionalmente aceita pela sociedade; é algo que tem muito mais a ver com a qualidade dos laços criados, independente do momento da vida.

A transição de assuntos foi quase casual, mas leva a uma proposta clara: é muito difícil abdicarmos de certos confortos em favor de outras pessoas. Para algumas pessoas isso só é possível quando se trata da própria família. No momento em que entendermos que no fundo, como disse um grande mestre “somos todos uma grande família sobre a terra”*, certamente não só o trânsito, como outros grandes problemas receberão suas soluções.

*Se não me engano, vi essa frase num vídeo chamado “A entrevista perdida de Bruce Lee”, vale a pena conferir, hehe.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Breve adendo natalino

Para aqueles que, como eu, moram longe da família, voltar para casa ao final do ano tem um gosto diferente, especial. Um ano inteiro se passou e você gostaria de alguma forma mostrar que viveu situações únicas, conheceu muita gente especial, adquiriu novos conhecimentos, e se tornou uma pessoa melhor. Não que isso tudo não seja verdade, mas bastam cinco minutos de conversa com seus pais pra que tudo ainda pareça um quase nada.
               
O jeito de olhar, a escolha das palavras, a pertinência dos assuntos. Que coisas absurdas e maravilhosas são os pais. Estamos sim, em constante evolução, assim como eles ainda estão. Voltar e constatar, depois de tudo isso que você aprendeu através das situações, experiências e convívios, que seus pais, além da maior fonte de carinho e dedicação, à maneira deles (seres humanos como qualquer um; também carregam seus defeitos), são ainda nossa maior fonte de aprendizado, é o melhor presente de natal que se pode querer.
                
Aos que já se foram e aos que permanecem, o que eu mais desejo nesta noite é que nossas reflexões e orações lhes reservem um canto bastante sincero e especial.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A (re)caída e o torcedor


Caímos de novo. Nós palmeirenses, por mais que nos disséssemos desiludidos há várias rodadas, sabemos bem que o fio da esperança não se arrebentaria até o último minuto do último jogo, se até lá sobrevivêssemos.  A sensação é horrível, é revoltante, e o pior de tudo é que não foi nada inesperado. Todos sabem de quem é a culpa disso tudo e não vou me ater à velha lenga-lenga. O assunto sobre o qual eu quero tratar é outro: é o que eu entendo ser o papel de torcedor.
O fato de eu torcer para o Palmeiras independe se ele ganha ou perde, se a diretoria é um lixo ou se é considerado por quem quer que seja time grande ou pequeno. Abandonar o time, como o Clóvis Rossi, colunista da Folha que escreveu de forma bastante infeliz hoje no caderno de esportes jamais passaria pela minha cabeça. Para mim time é como família, a gente apoia até as últimas e mesmo depois delas.
Um cidadão abandonar o time devido sua má gestão é o mesmo que, por exemplo, outro abandonar a fé católica devido a padres pedófilos. A paixão pelo clube é um sentimento avançado demais para ser corrompido por atitudes de sujeitos mal-intencionados ou displicentes. O time é um organismo, que como um todo, depende de fatores internos e externos; sua saúde é um processo bio-psico-social no qual a torcida desempenha um papel absurdamente relevante, e sem a qual, no fim último das coisas, não teria nem para quê o time existir.
                
Por isso, hoje, no dia pós-rebaixamento, saí de casa com a camisa verde. Não vai ser a (re)caída que mudará alguma coisa no que tange meu apoio ao time.  A mim, não tem cabimento aqueles que só ostentam o fardo quando o time ganha. Torcer pelo Palmeiras (para mim) vai muito além de quem o administra, ou até mesmo quem veste sua camisa dentro das quatro linhas, apesar disso tudo colaborar.
São memórias, lembranças de torcer (independente de vitórias ou derrotas) junto a meu pai, meus tios, amigos, em frente a TV, no estádio, no bar. O compartilhamento de uma expectativa e sentimento comuns, simples, humanos, que para mim, veio através do Palmeiras. Não sou um aficionado por futebol; sei o comum, a tabela do brasileirão e dos principais campeonatos europeus, as contratações mais importantes, estilo de jogo dos jogadores que mais aparecem nas equipes etc. Mas torcer é muito distinto disso.
Já conheci sujeito (brasileiro) que torce pela Argentina. Ando vendo aí gente da nova geração (e até da velha) dizendo que torce pelo Barcelona. A questão de ver uma equipe jogando bem, e por isso querer que ela dê show, faça gols e ganhe partidas não significa torcer. Ser Palmeirense não é uma escolha. É a mesma coisa que chegar e dizer, a partir de agora não quero mais ter sangue B+. Não existe essa possibilidade.
                
Claro que quero ver o Palmeiras brigando de igual pra igual com os principais times do país, ganhando títulos, jogando bonito. Por enquanto o negócio tá brabo, torço para que as eleições de janeiro comecem a dar novos rumos pro verdão. Mas não me importa o que façam os outros, muito mais responsáveis do que eu pelo futuro do time. Até porque, sábios estoicos, existem coisas que dependem da gente, e outras que não dependem. E é por isso que minha parte continua sendo puro imperativo categórico de Kant. Vou continuar torcendo igual, simplesmente porque é assim que tem de ser.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Respeitável pança


Não faz muitos dias, meu grande amigo Whisky e eu jantávamos, as 17h, no RU da UFSC (uma tradição muito antiga que temos; sempre ali perto da máquina de suco nos arredores da saída) quando contei-lhe que havia alcançado uma das resoluções do último réveillon: baixar dos 70kg. “Agora só falta perder a pança de chope”, completei.
“Perder a pança? Mas pra quê? Queria eu ter uma pança de chope. Tem coisa mais respeitável?” Whisky, que até pouco tempo atrás tinha o porte físico comparável ao do Woody Allen, serviu de gatilho para uma das maiores epifanias que tive nos últimos tempos.  
 Saí do RU com um orgulho sem precedentes da minha pança. Oras, sábio Whisky! Não há (ou não deveria haver) quem tenha coragem de recriminar a quase onipresente discreta protuberância, saliência, ou lomba no andar baixo do abdome, adquirida, em sua maioria, pelos jovens em geral à época universitária.
Mas veja lá, não pode ser aquela pança avacalhada, que remete ao seu significado original, parte digestiva dos ruminantes que antecede o barrete e o folhoso. Há de ser a inevitável pança, cujo portador, com IMC no máximo limítrofe para o sobrepeso, adquiriu por ter aproveitado (e muito) a companhia dos amigos nos mais amigáveis pés-sujos da cidade, discutindo futebol, mulheres e os homéricos porres de outrora, além dos incontáveis esquentas para as festas universitárias, e as noites de solidão em que deveria estar estudando, mas resolveu juntar a turma pra tocar violão e tomar aquela(s) cervejinha(s).
               
Engraçado como a partir de então comecei a imaginar a minha pança como melhor definidora de mim mesmo. Como se, quem reparasse nela, pudesse de maneira inequívoca dizer: “Esse cara tá prestes a se formar médico, mas deixou de estudar metade da faculdade pra tocar violão, escrever crônicas, festar, beber, e tentar (em vão), agora, no final de tudo, perder essa pança, que é o que há de melhor nele”.
As respeitáveis panças são produtos quase filosóficos. Quem tem a pança de chope (a autêntica) é existencialista por natureza, sendo capaz de parafrasear Nietzsche, Sartre, Heidegger ou Kierkegaard, mesmo que não tenha a menor ideia do que se trata. Com algum esforço, poderiam ser os novos Chicos (o Buarque ou o César) ou Noéis (o Rosa ou o papai), dependendo do rumo para o qual a barriga deslanchasse. A pança de chope pressupõe habilidades únicas, e uma capacidade ímpar de valorizar as mais excêntricas e concêntricas variáveis do sexo oposto.
                
A pança será meu trunfo do próximo verão. Esperarei de forma convicta que a moça meio intelectual, meio de esquerda, que passeia descompromissada por Jurerê internacional (as moças meio intelectuais, meio de esquerda não costumam frequentar Jurerê internacional, mas vamos seguir sonhando) deduza através de minha pança (de maneira certa ou errada, isso pouco importa), que sou um rapaz viajado, cuca fresca, leitor de Paulo Freire e Xico Sá, ouvinte de sambas antigos, bom de papo, entre outras coisas quaisquer, mas que só uma pança de chope pode levar a imaginar.
E que as outras moças, as que não são meio intelectuais nem meio de esquerda (e salve Família Prata!) essas sim, frequentadoras de Jurerê Internacional, quando estiverem já quase envesgando e com o cotovelo esfolado depois de ter levado um lindo capote ocasionado por uns champanhes a mais, confundam o salutar volume extra de tecido adiposo com uma barriga tanquinho fabricada em academia, e assim, que eu e meus parceiros pseudo-filósofos e originalmente boêmios tenhamos o merecido (mesmo que deturpado) reconhecimento, e possamos desfrutar da glória de ter a honrosa pança de chope.
                
No fundo, talvez o Whisky tenha apenas me dado a desculpa necessária para encarar o fato de que seria impossível perder essa pança. Talvez chegando a desnutrição severa, ou algo que o valha. Mas depois daquela janta ela virou uma entidade sagrada, a ser defendida com unhas e dentes, ou melhor, chopes e cervejinhas.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Tia Ciça


Hoje, 19 de outubro, é aniversário de meu pai. Tentei reunir palavras sinceras e bastante positivas para desejar-lhe, mesmo sabendo que por telefone e de supetão acaba que sempre sai mais ou menos as mesmas coisas. Inclusive é por isso que, sempre que consigo, gosto de escrever alguma coisa para as pessoas em datas especiais.
- Oi pai, parabéns! Muitas felicidades, saúde, que você tenha um ótimo dia. Tudo bem por aí?
- Filho, tenho uma notícia triste. (Como a voz do meu pai já estava embargada, na fração de segundo que levou para ele tomar fôlego, fiz uma pesquisa relâmpago em minha mente: todos os meus avós já se foram e ninguém da família estava doente, a noticia realmente deveria ser ruim). – A Tia Ciça. Ela morreu hoje.
Ainda não sabiam com segurança a causa da morte, ela foi encontrada descordada de manhã, pela moça que limpava sua casa, e a perícia estava por vir. Eu, que mal consegui proferir algo decente para desejar pelo aniversário de meu pai, me vi tentando dizer algo que substituísse o maior abraço do mundo, para ampará-lo pela perda de sua irmã, justo no dia de seu aniversário.
Ontem mesmo meu pai me enviava fotos da minha infância para eu usar nas preparações para minha formatura. Imagino-o dormindo com uma sensação boa, nostálgica, revigorado para seu aniversário. Mas como disse certo sábio “Tudo se dá de maneira tão imprevisível, tão injusta, que a felicidade humana às vezes parece não fazer parte do projeto da Criação”.
               
 Já mencionei Tia Ciça em outras oportunidades. Há vezes em que falo de maneira um pouco cômica sobre trejeitos, manias ou particularidades de familiares e uso codinomes para eles. Tia Ciça, em minhas crônicas, era Tia Nêna, “a tia dos presentes que ninguém usa”.
 Lidar com a morte nunca é fácil. A ideia de que você nunca mais vai ver a pessoa é muito ruim, e pensar nas reuniões da família sem a tia Ciça é muito, muito triste. É a saudade como o avesso de um parto, parafraseando Chico. Daí você começa a lembrar das histórias que viveram juntos, da voz da pessoa, de sua forma de lidar com os outros, da risada, de como se sentia bem ao lado dela. E então fica triste, porque tudo isso foi embora.
Tia Ciça era uma pessoa bastante espiritualizada, dava aulas num centro espírita, e tinha ideias firmes sobre vida, morte e seus propósitos. Pensar que ela está cumprindo tudo aquilo em que acreditava dá força para encarar a perda, sendo a morte uma etapa inevitável, parte do processo evolutivo, e que por Tia Ciça, foi cumprida de maneira rápida e inesperada, sem direito a preparos nem ensaios. E quem conhece sua história, sabe que ninguém melhor que ela para lidar com situações desse tipo.

Duro pensar também quantos ao nosso redor irão sem preparo e sem ensaio. E é inevitável. Isso deixa em primeiro plano a ideia de pararmos de encrencar com bobagens e fazermos sempre o melhor que pudermos aos nossos familiares e as pessoas que amamos. E então, na hora em que “a indesejada das gentes” chegar, pensar na pessoa querida e poder dizer “Estou triste, mas não poderia ter sido melhor”.
 Tia Ciça deixa uma grande lacuna na família, e os natais sem ela certamente não serão mais os mesmos. É uma imagem muito carinhosa que tenho, ao imaginar noutro plano, Tia Ciça fazendo a alegria das pessoas, presenteando-as com toalhas, meias e loções pós-barba.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Aêêêê Castooor


Ontem acordei (noutra segunda-feira em que não havia a menor condição de ir ao hospital), desci as escadas da RRT, encontrei uma galera no sofá e perguntei: “E agora, o que falta acontecer?”
Botando as malas no carro há quase 6 anos, lá em São Paulo, era impossível prever o que viria nos próximos anos. Mais imprevisível ainda era imaginar a existência de uma tal de Real República Tcheca.
Ter a chance de ficar doente de tão bêbado todo santo final de semana na companhia dos moradores, ex-moradores, futuros moradores (?) e seus agregados, em minha opinião é a maior honra que uma pessoa afim de aproveitar a vida universitária poderia ter. Limites?! A gente definitivamente não vê por lá.
 É neguinho quase caindo da Kombi (transporte oficial da RRT; ESPERA-SE UM NOME DE BATISMO URGENTE!), tomando saideira de 5 litros em 3 pessoas, (depois de no mínimo 3 litros cada 1, e com uma festa em menos de 2 horas por vir) estropiando joelho no meio de festa e tendo que ser levado pra hospital, fazendo churrasco, tocando violão, pegando uma menina poucos minutos depois de ela estar aos prantos e ser ovacionado, tocando berrante às 2h da manhã...tudo num dia só. E se você visse, entre 200, uma foto na página da UOL com um cara mordendo uma menina na Oktoberfest, o que pensaria? “Esse aí é da safra RRT” é uma boa opção.
Sei lá que tipo de conjunção cósmica foi feita pra dar tão certo de tantas pessoas tão especiais fazerem parte de uma mesma casa. Pode também parecer um grande desastre, os vizinhos que o digam; o pessoal, entre outros, tem a mania de chegar bebaço de festas e como se não fosse o bastante, cantar (berrar) “Don’t let me down” na garagem, as 6h da manhã. Ossos do oficio.
                
Ao pensar na galera, lembro automaticamente de uma expressão que usamos muito, e sobre a qual um amigo certa vez escreveu. “Mano”:
Ao dizer “mano”, você está dizendo que tem uma relação sincera, fiel (mas que permite uns tropeços) e íntima com alguém. Intimidade que permite desde uma revelação bombástica sobre uma obscuridade até um peido sujo. E que permite rir disso tudo. O emprego de “mano” sugere uma amizade gigante, inseparável ou, pelo menos, muito difícil de romper. Amizade pautada em admiração constante, mesmo reconhecendo as manias, defeitos e trejeitos do outro. Implica respeito. Muito respeito. Vontade de estar junto e de aproveitar os momentos como se não houvesse eminentes compromissos chatos em seguida. Monotemas e pluritemas são de praxe. Uma relação que permite diferentes ritmos e algum grau de distanciamento físico, o que adiciona uma dose de energia efusiva no reencontro. É um compartilhar de alegrias, tristezas, entusiasmos e frustrações. Um fluxo de emoções fraternais múltiplas, sem nenhum laço consangüíneo. E é raro poder falar “mano” com todos esses significados juntos. Se existe esse privilégio... melhor aproveitar!
               
  Um dia a história dessa casa vai ser contada. Não por mim, pois a memória segue meio atrapalhada por fazer parte desta coisarada toda. Inclusive, num fim de semana, ou numa quarta feira, se você quiser um pouco de zueira, naquele lugar não tem bode nem tristeza, e cada um segue sua natureza. Mas leva um trocado, tá rolando engradado...

sábado, 8 de setembro de 2012

Pelo prazer de escrever


Há 10 dias estou em Barcelona. Ver uma cidade tão bem comunicada por metrô, trânsito tranquilo, vivenciando a medicina de família e comunidade em sua máxima potência me dá ganas de dar meus pitacos nas iminentes eleições municipais do Brasil. Mas não, hoje é sábado a noite, 22h, hora local. Talvez saia mais tarde, muito provável. Por ora, abri uma cervejinha (o litrão tá mais barato que no Brasil, dá-lhe crise da zona do Euro!), abri um Doritos tira-gosto, e pus Cole Porter pra rolar na vitrola (you tube). Oras, isso lá é momento de criticar governos ou dar lição de moral?
Ontem fui a um bar e sentei-me a uma mesa com gente do Brasil, Escócia, Inglaterra, Estados Unidos e França. Não consegui me sintonizar muito bem na conversa, com meu inglês enferrujado, e a cabeça meio chumbada do esquenta solo que tinha feito em casa. Tô aqui todo esse tempo só falando castellano (meia-boca); inglês com a música alta do bar não tava com nada.
O que salvou foi que a música alta do bar, que em dado momento era o “Quebra-cabeça” completo. Álbum antológico do Gabriel, o Pensador, presente em todas as casas brasileiras que tinham algum moleque nascido entre 1980 e 1990. Tenho muita facilidade pra dormir, mas me lembro claramente de uma noite, sei lá que idade tinha, em que no dia seguinte ia ao recém-falecido Play Center, (estamos ficando velhos, “Geração Play Center”!), fiquei a noite toda acordado de ansiedade e colocava pra tocar várias vezes seguidas a “Festa da música tupiniquim, que tá rolando aqui na rua Antonio Carlos Jobim...”, que era a musica  que eu mais gostava.
Claro que fiquei muito feliz ontem quando começou a tocar as músicas do quebra-cabeça; minha cabeça bêbada pensando: “nunca que quando escutei isso pela primeira vez imaginava que ia escutar as mesmas músicas num bar a trocentos quilômetros de distância, com gente do mundo todo, numa época em que to investindo na minha formação. Caramba (eufemismo), vou ser médico!”.
                
Se Barcelona estivesse no Brasil seria a melhor cidade do mundo. Moraria nela facilmente. Mas fica muito caro morar aqui e ir ver os amigos e entes queridos com certa frequência. Claro que se fosse no Brasil (provavelmente) nunca chegaria a ser a cidade que é, mas enfim. Penso que digo isso só porque é a primeira vez que fico tanto tempo sem ver ninguém que conheço. Durante todas as viagens e períodos da minha vida, eu tinha ao menos uma pessoa bem próxima ao lado. O máximo de dias que fiquei por conta própria foram dois. Êta saudade braba! Ainda mais pra um “facebookless” por opção, como eu.
 Mas é bom também, com o distanciamento conseguimos ver as coisas cotidianas através de uma perspectiva mais pura, sem influência alheia. “Pense por você mesmo”. É o quarto mandamento de uma série de 10, que escrevi numa cartolina que fixei na parede do meu quarto em Floripa. Estando aqui, isso não só é muito possível, como a única opção.
Como num período sabático, afora meu estágio com um grande mestre em comunicação clínica e entrevista motivacional, hoje, por exemplo, tive tempo de assistir (youtube, grande you tube!) uma palestra de quase 2 horas da Marilena Chauí, e quase terminei um livro do Valter Hugo Mãe, que achei que não ia conseguir terminar nunca (é muito bom, mas difícil), 190 páginas em mais de três meses. Talvez bata algum recorde com esse ritmo.
                
Can Cargol (Casa Caracol, em catalão) é o nome da república em que estou morando durante minha estadia por aqui. Pessoal alternativo, tem muito a agregar a um paulistano, morador do sul do país, acostumado a convenções e tecnologias facilitadoras (“nem sempre o mais fácil é o mais correto”– Mário Sérigo Cortella) . Vamos acampar em Menorca, uma das Ilhas Baleares, no fim do mês. Ah, e vou assistir a um jogo da Champeons League, além de participar de uma manifestação, próxima terça-feira, reclamando dos impostos abusivos que a Catalunha paga ao governo espanhol, e também reivindicar a independência, claro.
 Bom, a cerveja tá acabando, o teclado já tá bem lambuzado por causa dos dedos sujos de Doritos e saliva, e a noite barcelonesa está a espera. Hasta luego.

Barcelona, 08 de setembro de 2012

sábado, 25 de agosto de 2012

Novo episódio da eterna busca


Ultimamente anda me dando vontade de rever vários filmes, reler vários livros, reescutar vários discos e rever algumas pessoas. Anda parecendo-me que tudo o que temos que entender já nos foi apresentado, mas passou despercebido por termos os olhos, mente e coração destreinados. E mais: em última análise, tudo o que precisamos entender desenvolve-se a partir de nós mesmos, já somos o pacote completo, e as experiências e vivências, nosso manual de instrução. As vezes temos que ler alguns capítulos inúmeras vezes para entender o nosso funcionamento.
Achei muito interessante quando uma amiga recentemente me contou que acha ter acertado na escolha de fazer residência médica em pediatria, pois, diz ela, é incrível o quanto aprendemos com as crianças. Isso me fez até avaliar a análise de um filósofo e educador que gosto muito, Mário Sergio Cortella, quem diz (inclusive no título de um livro seu) que “Não nascemos prontos”. Ora, tudo na natureza, os demais elementos, funcionam de forma intuitiva, automática, pois não tem intelectualidade. Somos nós também parte da natureza, logo, nascemos sabendo o que fazer. Podemos não ter boa memória disso, mas no começo tinhamos muito mais certeza do que fazer. Crianças sabem o que fazer!  Sabem se divertir, sabem reclamar por alimento quando precisam, tem criatividade para resolver seus conflitos. Daí, somos inseridos numa sociedade que nos faz pensar e agir de forma pouco natural e quando chegamos à fase adulta, já perdemos todas essas capacidades infantis e achamos o máximo como agem as crianças e os velhos, esses últimos, depois de muito penar na fase adulta (a meia idade, que pode muito bem ser comparada a idade média, como situada historicamente, a fase da decadência, das trevas) voltam a entender como deveríamos ter levado a vida o tempo todo.
                
Em poucos dias embarco para Barcelona, é grande a expectativa. Mas...expectativa de quê? De que aconteçam muitas coisas? De que eu aprenda coisas que de outra forma não aprenderia, de que viva experiências que em outro lugar seria impossível? De que tudo seja uma grande festa, baderna, pessoas diferentes, sei lá, esperar de tudo um pouco. Mas e se não for nada disso? Pode ser tudo calmo e tranquilo, normal, e isso também pode ser muito bom. Pode ser que eu volte querendo assistir mais Woody Allen, lendo mais Tchekov e Cristovão Tezza, agindo exatamente da mesma forma, com as mesmas pessoas. E provavelmente isso é o que melhor tem a acontecer, independente da intensidade da viagem. Será preocupante se no final eu entender que devem acontecer mudanças drásticas na forma como levo a vida.

As mudanças tem de ser lentas e graduais. Conheço pessoas que mudam radicalmente depois de certa experiência, seja uma viagem, um relacionamento, algumas aulas, enfim. O resultado disso é que a pessoa se torna uma caricatura da projeção que tem do “ideal”, e fica eternamente à sombra de sua autêntica essência. Física e mentalmente perdida no tempo e espaço, é percebida desta forma por qualquer pessoa a sua volta, menos por ela mesma.
As viagens, as leituras, as canções, as vivências e convivências, são objetos de reflexão. É triste vivermos isso tudo com medo de errar. Erros e acertos são dois lados da mesma moeda. O que vale é a experiência. Isso não quer dizer que devemos ficar alegres se erramos o tempo todo. O erro por si só causa certo sofrimento, mas é bom na medida em que é um agente inevitável, companheiro ubíquo, que quando tratado da forma ideal (= corrigido), serve como motor evolutivo. Seguiremos errando em alguma medida (que bom!).
Pois bem, só erra ou acerta que sai do lugar. E sair do lugar não implica necessariamente em fazer grandes viagens. É um pouco sobre tudo o que diz um famoso poema de Edson Marques, mas atribuído a Clarisse Lispector (como quase toda citação descontextualizada) chamado “Mude”. http://www.artelivre.net/html/literatura/al_literatura_edson_marques.htm

Ademais, é um pouco triste pensar que nos tempos atuais, a curiosidade, um dos maiores gatilhos na busca de novas verdades, esteja direcionada a coisas tão pequenas, como pormenores (e na maioria das vezes, depreciativos) da vida alheia, o que não costuma agregar nada a ninguém. Seria interessante se as pessoas tivessem um pouco mais de curiosidade sobre qual o papel que lhes cabe no mundo, e desta forma, como costumava dizer outro grande filósofo, Jorge Angel Livraga, deixar o mundo um pouco melhor do que o encontramos.
                 
Esta investigação é eterna e mutável. Barcelona: o próximo episódio da minha.

domingo, 12 de agosto de 2012

Lições Olímpicas


Pois bem, os Jogos Olímpicos de Londres chegaram ao fim. Esqueçamos o quadro de medalhas, se o usarmos como instrumento de análise, teremos de lançar mão a várias variáveis e um turbilhão de explicações/subterfúgios possíveis não vão ajudar a mascaram o óbvio: que somos uma nação constituída em sua maioria por pessoas mentalmente desequilibradas (“pipoqueiros”, mesmo).
Os competidores brasileiros são apenas um reflexo de como age toda a nação em seu cotidiano. Culpá-los pelo fracasso é como xingar o cobrador do ônibus pelo preço da passagem ou pela qualidade da frota viária. Quantas vezes as equipes ou atletas brasileiros tiveram a chance de vencer, mas por um revés no meio da partida, não tiveram a capacidade de reverter a situação? Nossa capacidade de reação frente a adversidades é quase nula, só conseguimos nos dar bem quando a situação é extremamente favorável.
                
Alguém realmente acha que se o momento não fosse bom, Lula teria sido um bom governante? Qual a educação que ele recebeu para isso? (Veja, não estou falando sobre ter ou não ter ensino superior). Seja qual for a vocação de uma pessoa, seja ela a de liderança ou de conduzir bem uma bola de futebol, ela tem de ser amparada pelo bom desenvolvimento dos potenciais latentes do ser humano. Estou falando de atenção, concentração, inteligência (física, intelectual e EMOCIONAL), criatividade, entre tantos outros.
A educação tal qual a concebemos atualmente nas escolas está muito longe de nos ensinar essas coisas. E nem mesmo esta que aí está recebe os investimentos adequados.Para isso, há de se mudar urgentemente a noção de progresso que hoje está em voga. Conceito este que está intimamente atrelado ao poder financeiro e ao consumismo (é para isso que as pessoas se preparam: para saber aquilo que lhes dará mais dinheiro). De que adianta dizer agora que a maioria da população brasileira é pertencente a classe média, se o principal índice objetivo disso é o aumento estratosférico de pessoas obesas, sobretudo as crianças?
Colocar dinheiro na mão de pessoas mal-educadas (de acordo com o conceito supracitado, independente da classe social) é totalmente contraproducente. Quanto mais dinheiro, mais se gasta, e apenas com “bens” de consumo. O resultado é uma nação composta por famílias mal estruturadas, ora sem a mínima condição, nem para nutrir a prole, ora com filhos obesos, que literalmente cagam e andam para o que deve realmente ser feito, e que, no máximo, ajudam a manter nosso “status” de nação com mais horas por mês nas redes sociais (belo título, hein!).
                
Alias, como escreveu certa vez Carlos Heitor Cony: “Sem poupar a verdade, a honra alheia, a decência mínima que todo o cidadão deve cultivar, a internet está servindo como cloaca de ressentimentos, inveja, calúnias, impotência existencial, fracassos profissionais, constituindo-se numa mídia clandestina e irresponsável, onde vale tudo.” Certamente não é neste meio que encontraremos a educação necessária para mudar alguma coisa.
Não tenho dúvidas de que existem pessoas muito boas, que enxergam todo o cenário, mas como disse Martin Luther King: “Para que o mal vença, basta que as pessoas boas não façam nada” e o que eu vejo ao meu redor é exatamente isso, nem mais nem menos. Pessoas realmente boas, que dizem saber o que é certo fazer, mas não fazem nada. Daí, um ou outro posta uma charge (tem de ser charge, porque se for texto ninguém presta atenção) falando sobre alguma corrupção do governo no Facebook, e acha que está fazendo seu dever como cidadão, sem se dar conta de que ele mesmo já está corrompido há tempos. Não me excluo do contexto, mas estou tentando.

“Sou brasileiro, não desisto nunca” (?). Mal conseguimos reconhecer que a renúncia é um dos nossos maiores vícios. Entre atletas e obesos, se continuar do jeito que está, seguiremos "pipocando na missão".

sábado, 4 de agosto de 2012

De plantão na escrita (sexta-noturno/ 3º horário)


(Antes de tudo: parabéns, minha amiga Camilinha, aproveite muito seu dia)

Acabei de chegar da festa Junina (força de expressão) da 07.2, minha turma de medicina que está há menos de um ano da formatura. Pra ser mais exato, acabei de chegar do HU, depois do March e Guigo terem suturado a perna do Thiagão, que num golpe de azar e desatenção canelou um certo desnível lá na ACM.
Não sei o porquê dessa necessidade de escrever, mas agora tenho sentimentos muito bons, e compartilhá-los não vai fazer mal a mim nem a ninguém.
 Hoje me emocionei ao ouvir dois grandes amigos e grandes seres humanos, Ricardo (Repolho) e Ronaldo, levantando a hipótese de serem médicos de família. São, acima de tudo, caras de uma inteligência ímpar, e pessoas de um caráter irretocável, que não precisam provar nada pra ninguém, e que me fizeram ganhar a noite pela simples possibilidade de investirem numa causa que eu há algum tempo aprendi a acreditar: a Medicina de Família e Comunidade.
Sinto-me bem por estar em casa e não estar muito bêbado depois de uma festa. Sinto-me bem pelos abraços e palavras sinceras que troquei hoje. Sinto-me bem por saber que serão poucas as pessoas que lerão esse texto; não pelo número em si, mas por saber que as que ainda acessam este espaço são as que saberão entender um pouco melhor as coisas que escrevo e suas razões de ser.
Hoje fechei de fazer dois plantões no feriado de novembro em troca de uma grana que me possibilitará pagar três meses de prestação da Kombi que a galera da Rep (Real República Tcheca) tá comprando (alias, ideia de quem? Né não, Julio!), e eu to fazendo questão de ajudar. Só fico imaginando as festas e viagens com ela, pô...vai ser "Stronda"!
Toda vez que saio pra festa lembro-me da galera da Rep, não tem jeito. Fico uns dias sem ver e sinto saudade como se fosse da minha família, que, alias, nesses dias ando sentindo bastante falta. O Pingo tá doente, a Vó Teresa morreu...as vezes o telefone não é suficiente.
 Por falar nisso, esses dias tentei ligar pro Kendi, pra ver se ele anda acompanhando o Palmeiras, e não consegui. Ê muleque que faz falta...do mesmo jeito que o Mestre, o Castor e o Mek, que faz tempo que não vejo. Do Gui não preciso falar, é hours concours.
 De qualquer jeito, não deixo de aparecer na rep, afinal, naquele lugar não tem bode nem tristeza. Não a toa que eu e o Fer ficamos até as 6h da manhã no meio da semana tomando cerveja (será essa a hora de parar, Vitor? Hehe) e ouvindo samba, falando de Tarantino a Chico, na companhia do Whisky, que ridiculamente quis dormir as 3h40.
É, o Joãozinho vai mesmo vir morar comigo e com o André, que noticia boa! Por essa e por outras fico pensando o tempo todo que tenho muita sorte. Mas não posso jogar a responsabilidade para o acaso. Tudo na vida tem uma causa, às vezes o que acontece é que a gente não consegue enxergá-la. E ainda perdemos a chance de tentar aprender com nossos acertos, dizendo que foi tudo uma casualidade. É, ou não é, Marcus?
Acho que tenho estado na hora certa e no lugar certo. Isso inclui estar sentado escrevendo às 4h da manhã, estar amanhã no plantão da cirúrgica, correndo com o Chami ou o Cauê no domingo a tarde, ou, como disse o Ronaldo hoje, imaginando estarmos nós todos, incluindo ele, eu, Repolho e o grande mestre Paulo Poli, lutando por um mesmo ideal. 

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Para Vó Teresa


- Oi, Dô! (forma como minha irmã, e parte da minha família por parte materna me chama) Quem diria que a vó ia te ver dirigindo!  - Foi o que disse minha avó a primeira vez que fui buscá-la em sua casa pra almoçar conosco, nalgum domingo de anos atrás.

- Quem sabe a vó não vê sua formatura! - Era o que ela dizia desde então, como se a vida na velhice fosse uma questão de resistir ao tempo para poder presenciar as conquistas dos entes queridos.

Vó Teresa quase não tinha estudo, trabalhou num frigorífico, onde recusou a promoção ao cargo de balancista, pois tinha medo de não conseguir anotar corretamente os números que a balança mostrava quando pesavam as carnes. Isso não a impediu de ser uma boa esposa, boa mãe, boa avó.
Hoje partiu sem conseguir ver minha formatura. Já estava bastante frágil, e com certeza, esteja onde estiver, está tranquila. Deixou uma família fantástica, que tem muito orgulho dela.

Em sua homenagem, recupero uma crônica que escrevi certa vez que fui visitá-la; uma das boas lembranças que deixou:

Para ela, que sempre gostava de falar em terceira pessoa, dizia sempre “A vó te ama!”, digo agora: “Vó, o Dô te ama! Obrigado por tudo”

terça-feira, 3 de julho de 2012

Pequeno adendo futebolístico


(A intenção dos comentários deste texto, não é de ofender ninguém, bem como qualquer conteúdo do blog. Caso alguém assim se sinta, dê sua opinião e o conteúdo será revisado)

Ainda não foi decidido, nem de forma aristocrática e muito menos por maioria de votos, se o futebol faz parte das coisas regidas pela lógica e probabilidade ou das regidas pelo cosmos e entidades sobrenaturais. Como tudo no universo, e os clubes futebolísticos nele inseridos, parece, por diversos fatores, e principalmente boas e más gestões de diretoria e patrocínio, que se trata de ciclos. Ora ganha-se muito, ora ganha-se nada.
Passado este preâmbulo que talvez explique menos que entrevista de centroavante depois de uma furada na pequena área, em semifinal que o time perdeu por 1x0, o fato concreto é que não parece lógico que o Corinthians, um time quase sempre competitivo, tenha demorado tanto tempo para chegar tão perto de ganhar o título da Libertadores. Eu, como palmeirense que se preze, nessas horas não dou a mínima para a lógica, e por mais que um dia “Dê a lógica”, seria bom que isso demorasse mais 102 anos e eu não fosse obrigado a presenciá-la.
 É, de certa maneira, cômica a forma apocalíptica como se encara essa final, como se fosse as Ilhas Faroé se classificando para a Copa, ou um Congolês que só nadou uma vez, (e num açude), em toda vida, conseguindo completar os 200m livre nas olimpíadas. A diferença é que ninguém, salvo os próprios corinthianos, aplaudirá. Mérito (?) dos “maloqueiros e sofredores, graças a Deus”, que fazem de seu time o maior motivo de aversão nacional, e gostam disso. Mas futebol é assim mesmo, alguém terá de ganhar e rivalidade até certo ponto é saudável.
               
Resolvi puxar o assunto pra dizer que apesar de qualquer coisa, não é certo, como a principio até eu pensei, imaginarmos que uma eventual conquista do arquirrival venha a suprimir o fato de que estamos a beira de ganhar um título nacional depois de mais de uma década. É a pior equipe que chega a uma final desde que sou palmeirense, ou seja, desde que me entendo por gente. Não tem Cesar Sampaio e Roberto Carlos, nem Evair e Edmundo de 93, 94. Não tem Rivaldo, Djalminha, Cafú, Luizão e Muller de 96. Alex, Arce, Junior, Zinho, Paulo Nunes e Oséas de 99, mas estamos aí.
Nenhum de nós, por conta disso, deixou de torcer pelo Palmeiras, apesar de más gestões, contratações sempre duvidosas, resultados vexaminosos, de ser por vezes chamado de Guarani da capital, entre outros. São 12 anos com apenas um paulista, e daí? Vamos deixar tudo pra trás e acreditar mais uma vez que esse será o gatilho para um novo ciclo, de muito mais prestígio, vitórias e títulos. Difícil do jeito que está? De algum jeito tem de começar! Se a galinhada não ganhar, tanto melhor, infinitamente melhor. Mas o dia seguinte é Palmeiras! Se esse ano for, pelos outros, lembrado pelas conquistas alheias, tanto faz. A gente vai ganhar essa Copa do Brasil!
               
E pra entrar no clima da decisão, deixo um link do cara que pra minha geração, foi o maior ídolo de todos e que sirva de espelho para os jogadores que estão aí:
               
http://www.youtube.com/watch?v=hAw_hVzbKOg

quarta-feira, 27 de junho de 2012

A música e nós


Ontem fui a um concerto na Sala São Paulo e saí querendo escrever um tratado sobre música. Não sobre música em si, por motivos óbvios, mas sobre nossa relação com ela. Contudo, a coisa mais longa que escrevi mal encheria um panfleto e, ao me lembrar disso, tratei de usar meu “poder” de síntese e tentar comunicar meus arroubos epifânicos em uma ou duas páginas, na qualidade atual de cronista amador.

É impensável um mundo sem música. Eu, e tenho certeza que muita gente, já acorda com alguma música na cabeça. Uma das grandes vantagens da modernidade é que dá para apenas virar para o lado e, em uma dúzia de teclas e cliques, ouvir qualquer versão que você quiser daquela música na mesma hora.
E ficamos ruminando músicas o dia todo. Somos cercados de sons, que quando entram em concordância, são reconhecidos instintivamente e de imediato como entidade imprescindível e parte integrante de nós mesmos. Claro que dependendo das experiências auditivas e vivências que a pessoa teve durante sua existência, a interpretação de “sons concordantes” pode variar muito. Apesar disso, acredito que, quando uma pessoa está com sua atenção voltada para determinado estímulo, no caso sonoro (ou seja, está plenamente consciente, sem pensar na morte da bezerra ou no que vai fazer se ganhar na mega-sena) quando a harmonia é atingida, ela é intuitivamente percebida. Não precisa de nenhum conhecimento prévio para isso.
               
  Ontem isso ficou bem claro pra mim. Meu conhecimento sobre música erudita é bem limitado, mas com atenção, e certamente por mérito dos músicos, do regente e do idealizador do concerto, aquilo me dava a impressão de poder se passar tranquilamente por popular. Era a sabedoria buscando naturalmente a harmonia, a arte dando o exemplo nítido de que o bom e o belo se tornam justos por conceito, e dando por fim uma sensação de paz, que é a razão última, direta ou indireta, de qualquer atitude do ser humano.
Paz esta que pode ser alcançada pela música de outras formas. A sensação não foi muito diferente de fazer parte do maior karaokê humano de que já participei, entoando Na na na na, hey Jude! Debaixo de um temporal, durante 7 minutos, que poderiam durar 70, no final do show do Paul McCartney. Ou cantar de cabo a rabo todas as músicas de Los Hermanos na companhia de grandes amigos na turnê que fizeram pelo Brasil. Ou ainda ouvir João Gilberto cantando baixinho, embalando o sono santo de vários dias; um reggae na república, ou num luau na praia.

A música exerce tanta influência em nossa vida, que os comerciantes, sabidos que só eles, criaram em certas lojas um sensor na etiqueta das roupas, que quando você vai prová-las, é lido e começa, no provador, a tocar músicas que estimulem a compra. Por exemplo: você vai provar uma bermuda de praia e quando entra no provador, começa a tocar uma música do Jack Johnson.
 Não é a toa que elegemos músicas de nossas vidas, músicas de namoro, da época de faculdade, que nos fazem lembrar momentos, pessoas ou lugares. O mais interessante é que todos podemos não só apreciar como também fazer música. Alguns talvez não desenvolvam habilidades técnicas para tocar algum instrumento, (o que no fundo é só uma questão de vontade e muito treino) mas todos tem um potencial latente e único: a voz, que é definitivamente o instrumento musical mais incrível que existe, talvez por ser o único não criado pelo homem.  É só compreender o que cabe a cada um. Não poderia a Fernanda Takai cantar as músicas da Janes Joplin, ou o Zé Ramalho ser vocalista dos Bee Gees, mas todos são igualmente eficientes, e agradáveis por reconhecerem seus potenciais
                
As experiências vividas são ditas únicas e intransferíveis, com toda a razão. No entanto, com um pouco de esforço, há de se transmitir um pouco das sensações e aprendizados dos grandes e singelos momentos, não para que aprendamos com erros e acertos alheios, mas para ficarmos mais vigilantes quando circunstâncias similares nos aparecerem à frente. A atenção é de certa forma uma virtude, que quando empregada da maneira correta pode nos fazer entender muito mais sobre música e nós mesmos.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Crônica n. 50


Esta é uma crônica que tem tudo pra dar errado, fadada a ser uma grande porcaria. Já começou mal, com um título pretensiosamente grandioso, o que já furta a gênese do propósito das crônicas. E quando ganha peso (pô, Pedrão, 50 crônicas?! Agora vai, hein!) não presta, porque ela é conceitualmente leve, mesmo que trate de assunto sério.
 Oras, pra que mesmo serve uma crônica? Por que, raios, deveríamos ler uma crônica? Ou pra que alguém se submete a escrever um troço desses? Porque será que ela fica relegada à última página dos cadernos dos periódicos, ou perdida em meio a uma notícia sobre a excursão das baleias francas ao litoral brasileiro e uma propaganda das Casas Bahia? Uma crônica, apesar de geralmente se referir a um fato concreto, notícia por natureza, nunca terá seu conteúdo revelado na manchete do jornal.
Mas elas devem ser respeitadas, e faço desta crônica em particular, uma metalinguagem propagandista, como um samba de Vinícius, ou um poema de Drummond (no propósito, não na qualidade, evidentemente); defendo o gênero com unhas e dentes, e que sejam eles o bom-humor e a reta palavra.
                
O cerne é narrar um fato cotidiano, e embutir nele algum senso crítico, uma reflexão, ou uma sacada humorística qualquer, que nos aproxime uns aos outros e nos lembre de que apesar de estarmos vivendo cada um seu contexto, sua história, somos pessoas muito similares. Que esteja a zona do Euro em crise, a Antártida derretendo, outra Galáxia sendo descoberta, ou o Neymar jogando bem (ou mal), há muita coisa acontecendo conosco e em nossa volta, que só se tornam pequenas porque nos induzem a pensar assim. 
As redes sociais deram um jeito de que conseguíssemos uma auto-elevação ao “status” de notícia, mas isso já é outra história, não digo nem que é bom nem ruim. Tudo (ou quase tudo) tem seus dois lados.
Contudo, isso não é só obra da não-ficção, noticias, reportagens e afins. A ficção também tem lá sua culpa. Os heróis que as histórias nos contam são sempre produto de um desastre de laboratório, ingestão de um produto químico, irradiação, cruzamento de humano com alienígena ou coisa que o valha. E com seus super-poderes salvam o planeta, ou pelo menos os Estados Unidos. Qual o estímulo que temos para valorizar nossas histórias, e contá-las? Passamos nós mesmos por nossos desafios diários, trapalhadas na festa da firma, términos de namoros, pisamos na merda indo para um batizado, presenciamos a morte de alguém, choramos, rimos, relevamos, seguimos vivendo, sentindo múltiplas emoções desencontradas e, apesar disso, somos levados a acreditar que isso tudo é muito banal.
               
A crônica existe para nos divertir, ao passo que, por vezes, nos induz a uma ou outra reflexão de maneira leve, não enfiada goela abaixo. Não vai falar nunca sobre um assunto qualquer que não nos parece dizer respeito, sobre as quais não temos poder de ação. Vai sempre nos puxar de canto, seja lá onde nossa cabeça estiver enfiada, lá nas nuvens, debaixo da terra, num passado remoto, ou, como na maioria das vezes, em assuntos que não dependem da gente, e dizer: “Olha que coisa curiosa que aconteceu comigo ontem! Com você também já ocorreu? Será que todo mundo é assim? Ah! A gente não presta mesmo...”
               
  E que não falte assunto para as próximas 50!

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Achados e perdidos


Senhor, desculpe o mau-jeito, vim correndo da chuva, já de saída perdi a hora, bem como o guarda-chuva, como pode perceber, mas nem é isso que vim procurar. Trouxe uma lista aqui, porque ando também perdendo a memória. Sei que não vai estar tudo aí, mas tem muita coisa que eu perdi, e não lembro onde, como ou quando, mas tenho que começar a procurar por algum lugar.
 Perdi tanta coisa pelo caminho... Onde é que está a lista? Até os cabelos, veja só! Acho que de tudo, só não perdi mesmo o juízo. Mas não sei se isso é bom.
 Devo ter deixado a lista em algum lugar. Perdi, hehe! Mas veja aí, por favor, não tem o meu sonho de juventude? Aposto que alguém o levou por engano, eles são todos tão parecidos, não é mesmo?

E aqueles dois ou três amores que tive na vida? Será que não foi aqui? Faz tanto tempo, me distraí com o trabalho, acabei perdendo também. Ah, mas aposto que aquelas chances de dizer às pessoas que amo o quanto elas foram importantes pra mim, essas não tem como não estarem por aí, pelo menos uma ou outra. Dá uma procurada melhor, deixa eu entrar aí que eu conheço bem como é.
 Não, meu senhor, relógio eu perdi também, mas isso a gente compra em qualquer esquina. Quero saber das coisas que não voltam, dessa categoria, será que não tem nada aí? Puxa, mas a minha lista era tão grande, revisei ela tantas vezes que perdi a conta.

Olha, o senhor não tá facilitando pro meu lado. Tem um monte de coisa aí que eu sei que ninguém vem buscar, nem percebe que perdeu. Eu trouxe aqui um material que talvez interesse pro senhor. Se achar que vale a pena, a gente faz negócio. Veja só, tá sobrando aqui pra mim: arrependimento. Dá pra trocar por alguma coisa? Eu tenho de monte. Vale pelo menos uma chance de passar ridículo? De ficar bêbado com os amigos e pular de roupa na Lagoa da Conceição. Ou de chegar na menina mais bonita da escola e dizer que to apaixonado, roubar um beijo, roubar no truco. Aprender a tocar violão, pedir o divórcio, mandar algum imbecil tomar no cú, mesmo que eu ganhe um olho roxo depois. Algum desses? Nenhum?!
               
 “Não temos nada parecido com chances perdidas”. É isso que o senhor tem a me dizer a essa altura do campeonato? Ora, é melhor o senhor sumir daqui antes que eu perca a cabeça! Vá para o diabo e leve consigo todos esses relógios, celulares, carteiras e chaves perdidas. O que eu quero agora é achar algo que valha a pena. Será que dá tempo? Vou lá pra fora ver o que é que tá tendo.
 Mas e aquele guarda-chuva ali? O preto, semi-automático. Eu tinha um tão parecido... 

sábado, 19 de maio de 2012

Sonhos de uma geração


- Pois é, minha filha! Levou um tombo, quebrou a costela, deu hemorragia...foi terrível! Isso, minha sogra!...
   Eu lia o “Clube da Luta” dentro de um ônibus que subia a Av. Angélica, as 7h15 da manhã, rumo ao meu estágio em geriatria no Hospital das Clínicas, quando percebi uma senhora bonachona narrando em alto e bom som, pelo celular, uma pequena tragédia doméstica que acometera sua sogra.
   Há um segundo atrás Tyler Durden dizia que há uma categoria de homens e mulheres jovens e fortes que querem dar a própria vida por algo. Mas que a propaganda faz essas pessoas irem atrás de carros e roupas de que não precisam. E que gerações tem trabalhado em empregos que odeiam para poder comprar coisas de que realmente não precisam. Que não temos uma grande guerra em nossa geração, ou uma grande depressão, mas na verdade temos, sim, uma grande guerra de espírito. Temos uma grande revolução contra a cultura. E a depressão é a nossa vida.
 Mais um pouco a senhora bonachona trocou de assunto e falava sobre alguma coisa que envolvia “ciclos de amaciante”, e que “por favor, não esqueça de estender as cuecas do meu marido, que ele anda sem, e se esquecer, amanhã não vai ter o que usar”.
               
  Ler no ônibus, ainda mais numa cidade como São Paulo, é a melhor coisa que se tem a fazer. É um paradoxo muito grande estar lendo “Elogio à Loucura”, ou uma biografia do Che Guevara e parar por uns segundos pra reparar nos seus companheiros de coletivo. O que será que essa galera tá pensando. Dá pra viajar legal analisando o cenário.
  Aprendi isso quando fazia cursinho, e subia aquela mesma Av. Angélica, para aprender uma porção de coisas que nos é cobrada para que passemos numa prova e vá aprender outras porções de coisas que nos darão condição de trabalhar em empregos que imaginamos que seja o melhor que podemos fazer. Hoje subo a Av. Angélica para aprender a tratar de velhos, o que, de fato, talvez seja o melhor que possa fazer.
 Olho em volta e vejo uma montoeira de gente de olhar vago, ainda acordando, todos em silêncio, (menos a senhora bonachona, que depois de quase quinze minutos de conversa, se despede da pessoa do outro lado da linha; mas não podemos culpá-la, já que a tarifa é de 25 centavos por ligação), como disse o Tyler, indo trabalhar em funções que detestam, ou não. Simplesmente, “era o que tava tendo”.
               
E nós? Doamos sangue, reciclamos lixo, escrevemos alguma citação bacana no mural do Facebook e achamos que estamos fazendo nossa parte. E no grosso da coisa, continuamos perseguindo os ideais da propaganda. “O meu sonho de consumo (FAIL!) é dirigir uma Lamborghini e ter uma casa em Jurerê, ou em Alphaville”. Como diz o grande Milton Leite: “Que beleeeza”!
Daqui uns anos estaremos as 7h15 da manhã, de cara amarrotada, olhar vago, num coletivo ou numa Lamborghini, pensando, quem sabe, em um dia ir trabalhar de helicóptero. E ter uma casa em Miami. Viver é isso, então?
               
“Advice for the Young at heart: Soon you Will be older. When you gonna make it work?” (Tears for fears, boa banda dos anos 80)

sábado, 28 de abril de 2012

Geração iPad: Onde queremos chegar?


Dias atrás conversei com uma pessoa que me contou que seu sobrinho ganhou de presente um iPad. Falava com alegria da facilidade com que o menino utilizava o aparelho, da destreza e movimentos intuitivos com que abria e fechava aplicativos e conseguia sempre executar os comandos que desejava. O único problema é que vez ou outra ele resolvia dar outras funções para o equipamento: em vez de concentrar-se na tela, resolvia arremessá-lo longe ou mesmo mordê-lo. Mas era compreensível, pois ele tinha recém completado dois anos.
A pessoa não disfarçava o orgulho que sentia da esperteza do sobrinho, até me mostrou uma foto em seu iPhone da criança olhando para a tela de seu presente e apontando o dedo para lá. No entanto, queixava-se de que ele nunca deixava pegá-lo no colo, apesar de, depois da mãe do menino, ela se sentir a pessoa mais próxima a ele. Beijos e demonstrações de afeto então, nem pensar.
              
  Sou de uma geração em que nossos pais começaram a comprar computadores quando éramos pequenos. Meus pais compraram o primeiro (para uso da casa) quando eu tinha oito anos. Até então eu já tinha muitos amigos, joelhos ralados, coleção de figurinha, bola de gude, e uma bicicleta “da hora, de 18 marchas!”. Foi legal quando o computador chegou, mais o PaintBrush, que era a maior diversão, perdia de longe para os amigos da escola e da rua.
 Os computadores e o mundo virtual chegaram às nossas vidas particulares sem que tivéssemos muita orientação de como poderíamos realmente nos beneficiar deles. É bem óbvia a praticidade e dinamicidade que eles proporcionaram em nossas atividades laborais, mas para muitos, o “Personal Computer” aos poucos foi deixando de ser uma ferramenta, um meio, para tornar-se um fim em si próprio.
 Resultado: boa parcela da minha geração, que hoje esta começando família e a terem filhos, estão apresentando de forma completamente alienada (alienação = ação sem reflexão) esses dispositivos à sua prole, antes que eles tenham contato com o mundo, pessoas, situações reais e estão achando isso uma maravilha, até porque eles mesmos (os pais) ainda não tem discernimento do real propósito de adquirir um aparelho desses. Mas numa sociedade democrática como a nossa, onde qualquer um faz o que bem entende, "se eu quero e posso, por que não devo?"
             
 Não vou discorrer sobre o uso ponderado dos aparelhos eletrônicos, da internet, ou das redes sociais, até porque a forma com a qual eu os utilizo fica muito aquém de seu verdadeiro potencial. Mas consequências desse tipo de atitude por parte dos novos pais são de fácil conclusão. Isso é um processo real e em curso, acho pertinente uma boa reflexão sobre o tema. Onde queremos chegar? Tem tanta gente que se diz preocupada com o mundo que deixaremos para nossos filhos, mas o que importará isso, se o mundo em que eles decidirem viver não for mais este?

sábado, 21 de abril de 2012

Último dia em Paris

Eu estava no Père-Lachaise procurando o túmulo do Jim Morisson quando encontrei um simpático casal, ele inglês, ela espanhola, mapa do cemitério na mão, a procura da morada eterna não só do vocalista dos Doors, mas como de uma dezena de outros figurões que por escolha ou acaso, jazem no terreno do 20º Arrondissement, em Paris.
 Em frente ao túmulo do Morrison há uma árvore com diversas inscrições de fãs, a maior e mais evidente delas clamando um dos sucessos da banda “Show me the way to the next whisky bar”. Foi defronte a ela que o casal resolveu me convidar para tomar uma cervejinha depois da caça aos túmulos.Tive de dar uma desculpa esfarrapada qualquer, pois sabia exatamente o que tinha na carteira: 3 passes de metrô e 5 euros, nada mais.
 No dia seguinte eu voltaria ao Brasil, e o dinheiro que levei para a viagem, depois de lambanças aeroportuárias e inconsequências etílicas, tinha literalmente acabado (na verdade há muito tempo, se não fosse o violão emprestado com qual resolvi improvisar alguns acordes e levantar uns trocados numa praça, durante minha estadia de um mês em Heidelberg).
 Evadiu-se o casal, e eu tracei meu plano: Um passe do metrô para ir à Basilica de Sacré Coeur, outro para voltar ao albergue. Cinco euros pagavam um lanche do McDonalds, e mais uma passagem de metrô garantiria minha chegada ao aeroporto no dia seguinte. Estando dentro da aeronave, não precisaria me preocupar em ser servido apenas de goiabinha ou clube social, e no mais, estando em Paris, me parecia uma boa ideia encarnar Gil Pender, alter-ego do Woody Allen no Meia-Noite em Paris, e ver no que ia dar.

A visita à Sacré Coeur foi um dos pontos altos da viagem. A basílica em si é bem bonita, mas o melhor de tudo foi o fato de que quando cheguei , havia uns artistas de rua tocando grandes sucessos para uma multidão sentada nas escadarias que dão acesso à basílica. Juntei-me a massa, de um lado uma japonesaiada (eles estão por toda parte), do outro o que parecia ser uma família local, mas estando por ali, impossível saber. O mundo inteiro estava ali, um pessoal da África vendendo barbantes entrelaçados multicoloridos para colocar no punho, paquistaneses vendendo crepe, turistas da América, Oceania, Antártida, Palhoça, todos ali, juntos, ouvindo os cantores entoarem os grandes sucessos.
 Sem nenhum compromisso em absoluto, apenas com a obrigação de voltar à terrinha no dia seguinte, permiti-me ficar por ali, a lembrar do que tinham sido aqueles dois meses de Europa, dos amigos e família que em breve eu reveria, da quantidade de gente, lugares e situações novas que conheci. Será que alguma coisa havia mudado? Do que serviu aquela viagem?
 Voltando ao albergue, parei no pub que ficava no piso térreo e a troco de nada comecei a conversar com uma funcionária egípcia que lá trabalhava. Nisso mais gente foi chegando ao balcão, pessoas que a conheciam, e por tabela me inseri na conversa. Papo vai, papo vem, uma caneca de cerveja surge a minha frente, depois outra, e mais uma. Meia-hora depois estava eu em outra mesa, conversando, num exemplar portunhol, com duas argentinas, uma mexicana e uma espanhola. “Como você fala bem espanhol”, me incentivaram elas, puramente reconhecendo meu esforço. E eu, achando que estava me dando muito bem (percepção ligeiramente bêbada) ainda perguntei: mas meu sotaque tá mais pro da Espanha, Argentina ou México? Entreolharam-se e com um sorriso amarelo de canto de boca, quase em uníssono, responderam: “Nenhum”.
 Uma bola fora de leve e quando menos esperei estava noutra mesa, de uma turma colombiana muito animada. Tenho foto dessa turma, qualquer hora posto; eles foram muito legais comigo, foram eles que me lembraram de que eu tinha um voo no dia seguinte e sugeriram que eu fosse me deitar, depois de perdida a conta de canecas de cerveja (tudo por conta de terceiros) e de eu ter convidado a funcionária egípcia para ir comigo até a salinha de bagagens a 1h da manhã.
 Uma noite até que bem-comportada comparada a uma outra, nesta mesma Paris, no início da viagem, quando, depois de algumas garrafas de vinho e uma gorfada na Lan House de um albergue, um amigo meu foi encontrado por mim dormindo dentro do elevador, subindo e descendo por sei lá quanto tempo.

 O que de fato mais marcou foi o crepúsculo na Sacré Coeur, sem nuvens, especificamente a hora em que os artistas estavam cantando “Imagine”, do John Lennon. E eu a ver toda aquela gente dos quatro cantos encontrando-se, conversando, observando, conhecendo-se, trocando ideias (literalmente) e percebendo como é rico e importante esse intercâmbio. Ouvindo as palavras de Lennon lembrei-me de alguns amigos meus que são viajantes por natureza, que se sobra algum dinheiro, estão de mochila nas costas se jogando pelo mundo e, lembrando-me de suas posturas diante do mundo e das outras pessoas, ficou muito claro a importância disso tudo.

 Volto a recordar um trecho célebre do Amyr Klink: “Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver".

quarta-feira, 28 de março de 2012

Baseado numa consulta real

Seu José foi consultar-se com um cirurgião cardíaco por conta de uma estenose da válvula aórtica (abertura incompleta da válvula, devido ao seu enrijecimento, prejudicando a função cardíaca). Chegando ao consultório começou logo, como estava habituado, a despejar a montoeira de exames na mesa do doutor.

- Não Seu José, primeiro conta como tudo começou.

O senhor, recém-chegado à hoje denominada (de forma demagógica e controversa) “melhor idade”, estranhou (por mais absurdo que pareça) a pergunta, mas resolveu levar ao pé da letra. Contou que há tempos teve uma dor muito forte, em região lombar alta, irradiada para o abdome, acompanhada de vômitos. O médico que o atendeu na ocasião diagnosticou pedras nos rins e delas tratou, mas orientou-o a consultar um cardiologista, pois casualmente havia ouvido um “soprinho no coração”. Tratados os rins foi ao cardiologista, o qual disse que o soprinho era um soprão. Solicitou exames, que mostraram a tal estenose, cujo tratamento deveria ser cirúrgico. Por isso estava ali naquele momento, em frente ao especialista indicado.
Dado que o doutor até então não interviera no relato, Seu José sentiu-se a vontade para mostrar uma cicatriz no braço, que ganhou após a recente remoção de um ceratoacantoma, tumor de pele que leva ao aparecimento de uma massa crostosa, rija.
Somente quando o paciente se calou, foi que o cirurgião indagou:

- Mas seu José, o que é que está endurecendo o senhor? (pedra nos rins, pele grossa, enrijecimento valvar...)

Apenas com essa pergunta o doutor mostrou que por mais que a nossa medicina esteja cada vez mais fragmentada e quase puramente intervencionista, até um sub-especialista pode e deve ter uma visão holística dos pacientes.

A profissão médica exige uma compreensão do ser humano que vai muito além do físico-químico. Exige-se, acima disso, que se reconheça que por mais conhecimento que tenhamos acumulado, não somos únicos detentores do saber. Há outros profissionais da área da saúde que, quando partícipes, não somente na execução de ordens médicas, como também convidados a colaborar na tomada de decisões, são capazes de melhorar sobremaneira o tratamento do paciente e ajudar na promoção de sua saúde.
Seu José ficou aturdido com a pergunta. Não era iletrado nem nada, muito pelo contrário, tinha sólida formação acadêmica, e entendeu muito bem a pergunta. Daí em diante viu-se dizendo ao médico coisas que jamais imaginaria. Falou de como foi idealista na juventude, de como lutou por certas causas e da frustração de não ter conseguido aquilo que queria. Falou de um casamento fracassado e dos filhos que não o visitavam mais. Chorou.

Passou pela cirurgia, recuperou-se, deu-se conta que não perderia nada em tentar tornar a tal demagógica e controversa “melhor idade” em algo o mais próximo disso; retomou parte de seus projetos e tarde dessas me contou essa história.

terça-feira, 20 de março de 2012

Um conto insólito

Chegou em casa, desafroxou a gravata e começou a se embriagar: de súbito era corno. O pé de igualdade neste direito lhe era intragável, mais ainda do que aquele charuto vagabundo, pseudo-cubano, que ganhou de presente, e o tango argentino que resolveu botar na vitrola, onde mais tarde arremessaria o copo de Wyborowa pura com gelo (atitude da qual se arrependeria de imediato, imaginando ser típico da esposa, ainda mais com La Cumparsita ao fundo). Um pequeno escândalo pequeno-burguês no nível de clichê mais alto que se poderia supor.
A cada gole que tomava a cena de horas antes se tornava mais absurda, afinal, como podia sua namoradinha de infância, reencontrada na pós-graduação em pedagogia Freiriana, tornada esposa em cerimônia religiosa tradicional, lua de mel em Poços de Caldas (estavam mal de grana, comprando apartamento e aquela coisarada toda), mãe de seus dois filhos e entrando no Motel Dallas às quatro da tarde com outra pessoa que não ele!
Não que ele nunca tivesse feito coisa parecida, pelo contrário e desde o inicio, mas oras, não é assim que funciona em nossos tempos, e alias, em todos os outros? “Monogamia nunca foi algo natural no reino animal”, diria ele a esposa se algum dia ela viesse com papo furado pra cima dele. “Animais comem a própria merda”, disse a esposa de um amigo do departamento, quando este tentou enrolar com a história da poligamia, mas sua mulher jamais faria isso, era o que ele imaginava até então.
E a vida parecia ser tão boa, eles faziam sexo com frequência (no mínimo aceitável, ele julgava), faziam programas juntos, foram assistir ao show do Chico, à nova peça do Felipe Hirsch, tinham viagem programada para a Disney (levar os filhos, que estavam indo bem no colégio). Casa na praia, bons amigos, ele fabricava cerveja caseira, nem tinha uma amante fixa, apenas uma ou outra escapada eventual. Ela terminando o pós-doc, fazendo pilates e dando pra outro cara, ou outros!
Deixou a meia garrafa de Wyborowa de lado, apagou o charuto e tentou ser racional. Não conseguindo, pensou pela primeira vez no arremesso do copo, mas deixando-o de lado, pegou uma longneck de sua própria fabricação e aumentou o som. Carlos Gardel bombando na vitrola e os meninos por chegar, eles que nunca viram o pai bêbado, a não ser em festividades. A esposa (vagabunda!) ia chegar sabe-se lá quando, já não tinha certeza dos horários das aulas do pós-doc, a verdade é que depois daquela cena tinha certeza de pouca coisa.
A mistura etílica começou a fazer efeito, e ele decidiu que ficaria ali no sofá até alguém entrar pela porta da sala, e independente de quem fosse ele diria “Vagabunda!”. Se fosse a esposa, seria auto-explicativo, se fossem os filhos, trazidos pelo ônibus escolar, ele completaria com “sua mãe”. Esse sim seria o início da tragédia pequeno-burguesa, mas não havia outra alternativa, ele estava cada vez mais convicto de que este era o papel que lhe caberia a partir de então.
Passou um longo tempo e ninguém chegou, estava voltando para a vodka e entrando na fase de achar culpados. Culpou a rotina, os filhos, o feminismo, a si mesmo, a cerveja que estava tomando, o pilates e até Paulo Freire, mas não se contentou com ninguém. Foi então que do lado do sofá tocou o telefone, e ele num gesto automático atendeu. Era sua mãe, que morava alguns andares abaixo, e pediu que ele descesse para ajudar a consertar o chuveiro. Viúva que era, sempre apelava para o filho nesses pequenos consertos domésticos.
Ele de pronto aceitou, e bêbado, manteve a idéia de dizer “Vagabunda” a primeira pessoa que surgisse pelas portas (agora seria sua mãe, mas ele explicaria rápido). Estava resignado sobre seu novo status, e precisava compartilhar o dramalhão.
Antes de descer pegou finalmente o copo de Wyborowa e tacou-o na vitrola.

Desceu os andares do prédio ensaiando mentalmente tudo o que se seguiria ao “Vagabunda”, mas não foi capaz de elaborar nada muito sofisticado e resolveu que improvisaria. Chegou à porta, tocou a campainha, ouviu passos, a porta se abrindo, tudo muito escuro e como não enxergou nada, já teve de improvisar dizendo “Mãe?” Súbito as luzes se acendem, antes das pupilas se acomodarem à nova iluminação ele ouve “Surpresa!”, buzinas e bexigas fazendo barulho, duas criaturas se agarrando as suas pernas e um coro cantando “Parabéns pra você...”.
Quando se acostumou à luz e à idéia do aniversário, que ele não se lembrara em momento algum durante o dia, viu a mãe, os filhos, a esposa e outras pessoas que depois não se recordaria. Impossível descrever a insólita sensação da qual se apossou naquele momento. Beijou a cabeça das crianças, pegou o mais novo no colo, uma lágrima escorreu-lhe enquanto encarava a esposa. “Vagabunda”, foi o que mais uma vez ele quase disse, pensando que há poucas horas e sabe-se lá quantas vezes mais ela se entregara a outro homem, (“não poupou nem meu aniversário!”). Pensou na vergonha disso tudo, no pessoal da firma sabendo, se é que ela não saia com algum deles. E agora ali, linda, autêntica, a garota ginasial, a mãe de seus filhos, a adultera, todas elas, surpreendentemente numa só.
Ainda assim, o “vagabunda” saiu-lhe “obrigado”, não por bom-senso de ter ali seus filhos, sua mãe e uma festa surpresa, mas por render-se a cada vez mais banal hipocrisia conjugal. Neste caso, alguns ainda chamariam de “corno-mansice aguda” de sua parte, mas o que se entende sobre a vida e as relações? Dito isso, foi ajudar sua mãe a repartir o bolo.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Aos calouros

Se um dia me dessem a incumbência de escrever algo para deixar para a posteridade, dissessem: “de tudo o que você escrever, só vai sobrar isso”, acho que escolheria um apelo aos recém-ingressos na universidade. Algum manual do tipo “A melhor forma de aproveitar a universidade, baseado em evidências e narrativas daqueles que apesar de tudo conseguiram se formar”.
Algo que os fizesse entender a importância de levar a sério o compromisso de fazer valer a pena essa vida que se inicia. Mostrar que o tipo de profissional no qual se tornará não tem relação com a quantidade de cachaça consumida, de aulas não assistidas, e de 5,75 tirados. (Tenho 2 grandes amigos que foram os campeões de 5,75 e demais quesitos supracitados e hoje fazem residência médica na Unifesp e Unicamp. Repito: é baseado em evidências!)
Alias, ouso dizer que o melhor profissional está muito longe de ser aquele que dedicou todo o tempo de faculdade aos estudos. O que está em jogo não é simplesmente sua formação técnica, mas também sua formação humana, seu caráter, que será moldado de acordo com as experiências que você se permitir ter neste período, aliadas a base que você já trás de antes. Em nenhum outro momento da vida você conhecerá pessoas tão diferentes, com formas de pensar e agir distintas da sua, que te farão entender que existem muitas possibilidades além das que você era capaz de imaginar.
O ideal mesmo é que houvesse um tutor para cada calouro, ou grupo de calouros. Um veterano, quase formado, o qual o calouro devesse consultar (e seguir cegamente) toda vez que ficasse em dúvida diante de questões elementares, do tipo “hoje é sexta: estudo pra prova de segunda ou vou pra festa?”, ou mesmo “Agora é noite de domingo, a prova é amanhã e não estudei nada, to de ressaca da festa de ontem e a galera ta chamando pra ir pro bar: estudo ou chego bêbado na prova?” Por que afinal, independente do perfil da pessoa que entra, todos saem pensando: Poderia ter aproveitado mais.
Enquanto vou articulando a idéia e angariando colaboradores para a versão completa do manual, deixo aqui alguns tópicos que julgo fundamentais para um bom proveito dessa memorável etapa de nossa passagem terrena, a que chamamos vida universitária:

- Vá a todas as festas universitárias que conseguir, o ideal é que tente fazer isso até o final da faculdade, independente do curso que estiver matriculado e sua carga horária. Vá desde a mais tradicional até o happy hour da Oceanografia (que pode ser muito mais legal do que você imagina). Por vezes os interesses vão mudando, e vão surgindo outros compromissos. Mas é importante tentar, essas festas te proporcionarão... várias coisas.

- Administre suas presenças em sala de aula e falte o máximo que puder. Não há motivos para ficar feito zumbi ou dormir na frente do professor. Mesmo as melhores faculdades tem várias aulas ruins, que imploram para que você aproveite melhor seu tempo. Depois de formado você não terá chance de matar o trabalho. Aproveite enquanto pode.

- Cole sempre que precisar! (e seja generoso caso alguém por perto necessite) Você já passou no vestibular e não precisa provar a ninguém que é capaz de tirar boa nota num teste. A maioria das provas que fazemos não prova absolutamente nada; vivemos num sistema de avaliação completamente arcaico e deficiente. Ademais, dividir o conhecimento com o semelhante é uma das coisas mais nobres que você pode fazer (tudo que integra é bom, tudo que separa é ruim)

- Mesmo que o melhor curso na área que você escolheu esteja na sua cidade natal, vale a pena priorizar estudar fora de casa. Você terá experiências muito valiosas tendo de se virar sozinho e não precisar dar satisfação a toda hora. Além disso, muito da faculdade quem faz é o aluno, dependendo de como você levar a coisa, não fará diferença alguma.

- Viaje o máximo que puder, seja para fazer estágio (em outro estado ou outro país) ou mochilão com os amigos. Essa é a época pra isso, só tem a enriquecer sua forma de entender as coisas, e saber lidar com as adversidades, além de toda diversão da viagem! (Não ter dinheiro não é desculpa – faça monitoria, estágios remunerados, pesquisas, lave os pratos do RU; Quem quer, sempre consegue – baseado em evidências!)

- E fundamental: Faça muitos amigos. Trate todo mundo bem e não prejudique ninguém. Com certeza você se decepcionará com algumas pessoas, e é provável que você mesmo também decepcione outras. Mas a maioria das coisas mostrar-se-ão pequenas bobagens, e nesse meio de caminho, essas mesmas pessoas se revelarão pessoas fantásticas, a quem chamaremos verdadeiramente de irmãos, e que iremos querer ter por perto por toda vida.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Coisas de carnaval

O sujeito recupera parcialmente a consciência ao se levantar do vaso sanitário, olha ao redor e não faz a menor idéia de onde está, a bebedeira não permite que ele se preocupe da forma que convém. Sai a passos vacilantes pelo corredor que conduz à sala, onde encontra pessoas que julga comporem uma família. No que ele planeja ser uma simples tomada de fôlego para empregar solenidade ao que gostaria de dizer, consegue fazer um combo homérico iniciado com um soluço na inspiração e, provavelmente devido a uma tentativa retardada de conter o gesto anterior, um peido e um arroto simultâneo na expiração. Completa a seqüência com “Pode não parecer, mas eu sou médico”.
Situações assim só conseguem ser protagonizadas por aqueles que realmente compreendem o que é o carnaval. Há os que preferem o sossego, aproveitar o feriadão pra descansar de um ano que no fundo ainda nem bem começou. Mas sobre não gostar do samba e da folia, um dos nossos maiores entendedores do assunto já desvendou o mistério: “Quem não gosta de samba bom sujeito não é”. Diagnósticos diferenciais: “1) Ruim da cabeça ou 2) doente do pé”.
Este ano quase fui impedido de aproveitar o carnaval por conta de um cálculo renal. Ainda que devidamente medicado, diziam-me os médicos “isso pode complicar, o Rio é um lugar que você não conhece, aqui você tem toda assistência, não deve viajar de jeito nenhum etc”. Entretanto meu argumento era mais forte “mas é carnaval!”. E fui.
Pra quem há 2 anos quebrou o pé caindo de um barranco na primeira noite de folia e passou o resto dos dias com o pé imobilizado e sem muletas, pulando o carnaval feito saci, (há quem imaginasse ser uma fantasia), uma pedra no rim não parecia representar um grande problema.

Relembrando aqui, se fosse contar todas as histórias que vi ou vivi nos carnavais, dava um livro. Pessoal dando cambalhota toda vez que saia do metrô, chutado chinelo de gordinha ladeira abaixo porque tava ela regulando beijo, queimando o braço da moça com bituca de cigarro no meio do xaveco, abandonando amigo bêbado em cidade desconhecida na volta do carnaval (esse era realmente impossível trazer de volta), entre outras impublicáveis.
Sou capaz que afirmar que o carnaval comporta os dias mais importantes do ano. A satisfação de estar com os amigos e aproveitar ao máximo, como se não tivesse todo um ano de compromissos chatos esperando logo a seguir é impagável. Nem precisa ser tão simpatizante do samba. Lá no Rio tinha bloco que tocava Beatles, Raul, Mutantes, ouvi até Legião Urbana. Nada melhor do que ver uma multidão de gente se divertindo, dobrar uma esquina e ler na placa: Rua Vinícius de Moraes. Esse gostava de uma farra, certamente estava abençoando a bagunça. Saravá!
Foi neste dia, voltando de Ipanema, que resolvi que escreveria esta crônica. O metrô de lá fica num complexo batizado com o nome do maior cronista brasileiro: Rubem Braga. E adentrando o prédio, na parede oposta a quem entra, depara-se logo com um texto de outro grande escritor, o Ruy Castro. Nada como estar semi-bêbado (se estivesse bêbado teria esquecido) e prometer aos mestres: essa vai pra vocês.
(E também a todos os amigos que sabem a importância do carnaval e sempre fazem valer a pena).

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Tulipa ou copo americano

Porco, um grande amigo da época de colégio, abriu um restaurante na Vila Jaguara, em localização suspeita: poucos metros do restaurante do próprio pai. Aliás, o motivo de tal localização foi um dos grandes assuntos entre mim e meus amigos, que em dado sábado, fomos provar a recomendadíssima feijoada de lá, tomar umas cervejinhas, caipirinhas, cachacinhas, e prestigiar nosso mais novo amigo-empreendedor.
Estavámos lá, Brunão, Digão, Guigas, Caião, Égon, Betinho, eu e o próprio Porco, relembrando os causos de outrora. Em meio a muito torresmo, couve com bacon e farofa, vieram histórias antológicas, protagonizadas por garotos que à época planejavam sei lá o que, se é que planejavam alguma coisa; apenas jogavam futebol com latinha de refrigerante amassada no recreio e agora, de repente, estão se formando médicos, engenheiros, economistas, abrindo restaurantes, dirigindo caminhões, casando, tendo filhos, sendo presos, entre outras atividades não convencionais.
Muito papo furado, muita risada, e num estalo a constatação: “Faz sete anos que a gente se formou!”. Isso não foi dito na roda, foi uma constatação interna, não ia atrapalhar uma narração empolgante sobre um episódio da viagem de formatura de Porto Seguro, seria um desperdício de história. Mas o fato é que muita coisa mudou de lá pra cá.
Uns com muito peso, outros com muita grana, ouvimos até um “agora sou rico e tenho um carrão”, e todos com uma bagagem e tanto nas costas. Apesar dos monotemas e pluritemas de praxe, passado um breve período pós-prandial a turma começou a se dispersar: um foi jogar seu sagrado futebol de sábado, outro pro escritório, outro ainda encontrar a namorada; acabamos que só ficamos Digão, o Porco e eu, enturmando vez ou outra com o restante das demais pessoas freqüentadoras do restaurante.

Depois de perdida a conta das garrafas de cerveja e algumas caipirinhas o papo começou a ficar mais filosófico, e o Porco percebeu isso de forma peculiar: “O papo tá muito sério, cêis não conseguem administrar a cerveja no tulipa, tá esquentando toda vez, vou trocar por copos americanos”. E assim procedeu.
O papo era mesmo sério, estamos ficando velhos. As expectativas aumentam, as responsabilidades aumentam, e muitas perguntas batem na cara. Compromisso sério ou Carnaval? Excesso ou falta de trabalho? Novidades ou mesmices? Mais jovens ou mais velhos? Muitos ou poucos amigos? Lembrar ou esquecer? Encarar ou evitar? Focar, expandir, distorcer? Ambição ou resignação? Esforço ou naturalidade? Simplicidade ou complexidade?
Como disse o Nico, outro grande amigo meu, se fosse simples, não haveria tantas perguntas complexas.
Não há nada pior do que dar-se conta de que uma oportunidade passou. É muito difícil entendermos as coisas enquanto estamos passando por elas, mas a constatação óbvia é que cada vez mais estamos por nossa conta, não há como voltar e cada vez menos a quem apelar.
A vida vai passando e há de se decidir o tamanho dos goles que vamos nos servir dela. E aí? Tulipa ou copo americano?

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Felicidade - Produto adulterado

Se você perguntar a alguém “O que é felicidade?” a resposta será, quase sempre, alguma variação de “são pequenos momentos, pequeno gestos, feita de pequenos instantes”, e que a felicidade “anda por ai escondida, e que você tem de saber encontrá-la”, que temos que aprender a viver as “pequenas felicidades”.
É impressionante como conseguiram nos vender essa ideia: de que a felicidade é um “plus”, uma recompensa, um “algo a mais”. Ou pior ainda, que a felicidade será alcançada depois que conseguirmos uma série de coisas: um bom emprego, um bom salário, uma boa casa, uma família sem problemas... Aí sim, quando tivermos tudo isso, seremos felizes. É claro que se a felicidade for isso, temos que começar a enxergá-la em pequenos momentos. Mas não parece muito justo, nem faz tanto sentido.
A maioria das pessoas acorda dia após dia para ir trabalhar em algo que, na melhor das hipóteses, considera suportável. Alguém que dedica a maior parte do seu tempo a fazer algo que não gosta, pelo qual não é valorizado, e que só faz porque é o maior salário que consegue ganhar (afinal precisamos ao menos pagar as contas), não vai ter nem energia física, nem mental para dedicar sequer àqueles momentos, ou “instantes” que conceitua como “felicidade”.

Pra inicio de conversa, recebemos uma educação que pouco ou nada nos incentiva a acharmos nossas verdadeiras vocações. Muitos chegam à beira do vestibular (afinal, em nossa sociedade entende-se que todos tem de “formar-se” em alguma coisa) procurando suas vocações em revistas ou fazendo testes vocacionais.
Ninguém é totalmente burro ou não é bom em nada, mas acontece que todos recebem o mesmo tipo de educação, num mesmo ritmo, e em momento algum são valorizadas, nem sequer procuradas, as habilidades especificas de cada um. Daí, se alguns conseguem acompanhar as aulas e tirar boas notas, entende-se que todos deveriam conseguir, e castiga-se aqueles que não se dão bem com o sistema.
Todos saem da fôrma (formatura) sabendo mais ou menos qual o lugar certo de marcar o “X”, alguns sabem falar outras línguas, outros se dão muito bem com cálculos, a maioria sai sabendo um monte de baboseiras que nunca serviu nem servirá para nada (além de passar de ano), mas poucos sabem alguma coisa sobre si mesmos, canalizam suas energias para as coisas erradas, não sabem se relacionar, não sabem ser tolerantes, tem o conceito de justiça completamente deturpado e jamais terão a certeza de estarem fazendo a coisa certa.
Inteligência não é sinônimo exclusivo de intelectualidade. Abrange o emocional, o físico, a intuitivo e como você articula tudo isso. Felicidade é uma conquista inteligente e que todos, sabendo ou não onde botar o “X”, são capazes de alcançar.
A verdadeira felicidade jamais deveria ser uma exceção, coisa pequena, fugaz.

O caminho não é fácil, já está tudo muito enraizado e a solução depende de muitos fatores, internos e externos. Mas temos que partir de algum lugar.
Parece-me interessante tentarmos ao menos servir de mapa para que as gerações futuras tenham uma compreensão maior, e comprem o produto original.

Seguidores

Arquivo do blog

Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.