sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Presente de natal

(Esta crônica foi inspirada no relato de um amigo meu sobre seu último natal. Qualquer semelhança com vossos natais será mera casualidade)


21h30 – Noite de natal
Pronto, lá se foi mais um natal. Tá certo, ainda há esse restinho, e daqui a pouco ainda vai passar o especial de fim de ano do Roberto Carlos, mas a essa altura provavelmente já se acabaram todas as festinhas de comemoração entre familiares e amigos, das quais muitos falam tão mal, mas que eu, particularmente, gosto muito.
Não tenho nenhuma desavença com qualquer pessoa da família, e a festa de natal muitas vezes é a única oportunidade do ano que tenho para ver os parentes, e é sempre bem legal. Talvez seja legal justamente pelo fato de ser a única vez no ano, suficiente para contar tudo o que de mais importante aconteceu, e desejar que o ano posterior seja melhor, etc, etc.
Costumamos nos reunir na casa de alguma tia. As pessoas começam a chegar perto das 22h, depois da missa. Já mortas de fome começam a esquentar os tradicionais pratos natalinos, enquanto meu pai faz a batida de maracujá.
Nesse meio tempo vem uma tia perguntando como vai a faculdade, depois outra reclamando da nova doença que apareceu, e que já não consegue fazer mais as mesmas coisas de quando tinha 20 anos. As pessoas começam a surgir da cozinha com os pratos quentes, e entre elas vem um tio com 2 latinhas de cerveja na mão, me oferece uma e inicia uma longa análise sobre o campeonato brasileiro e as recentes contratações dos times paulistas para a próxima temporada.
No meio do discurso ele nota que me deu uma latinha de Nova Schin e está tomando uma Bohemia. Óbvio que eu já havia notado, e talvez não tenha disfarçado tão bem:
- Pô, nem te perguntei se você queria essa!
- Ah tio, não tem problema, cerveja é tudo igual! (traduza-se por: ´´Eu sei que já tá quase na metade da latinha, mas se você quiser trocar eu aceito.)
E tentando melhorar a situação meu tio ainda solta a pérola:
- É verdade, eles fazem tudo meio padrão, eu mesmo ainda prefiro essa aí que você tá tomando ou a Kaiser.
Antes que a conversa se transforme numa ficção científica eu resolvo voltar para as análises futebolísticas:
- Mas acho que o Inter vai dar trabalho esse ano hein...

Passam-se uns minutos e agora todos estão comendo. Como de praxe elogiam a lasagna da tia Sônia, questionam porque desta vez a tia Nêna fez lombo e não pernil e a tia Mirtes se desculpa por ter feito pela enésima vez a mesma sobremesa que meu pai. É tudo muito igual ao que sempre foi e talvez esteja aí a graça de tudo, vem natal e vai natal, e a família nos oferece o conforto da previsibilidade.
E de repente é meia noite. Todos suspendem a sobremesa, abrem uma garrafa de espumante e desejam feliz natal uns aos outros. Que alegria e que aflição, pois ao mesmo tempo é anunciada a hora mais temida da noite: a entrega de presentes.
Tia Mirtes se dirige para o pé da árvore de natal no canto da sala, onde estão todos os presentes, e antes de começar as entregas anuncia que neste ano recebeu uma abonação da empresa e por isso conseguiu comprar presente pra todo mundo. Até me animo com a notícia, pois a tia Mirtes é do grupo de pessoas que dá o tipo de presente necessário.

Antes de prosseguir, deixe-me explicar. Eu classifico as pessoas e seus presentes em três categorias: Aqueles que dão de presente coisas que sabem que estamos precisando, e nesse grupo se encaixa a tia Mirtes, cujo último presente foi dinheiro para um novo jaleco, o que eu realmente estava precisando, mas que acabei utilizando para outros fins. A segunda categoria compreende aquelas pessoas que nem sempre dão presentes, mas sempre que o fazem, dão presentes os quais realmente acreditam que irão agradar-nos e na maioria das vezes isso acontece. Essas pessoas até fazem uma pesquisa pra saber o que você realmente gostaria de ganhar, e as vezes te presenteiam fora de época. Nesta categoria se encaixa minha tia Vera, e a maioria dos amigos. (Há uma subcategoria dentro desta, na qual as pessoas compram presentes legais, mas que além de você, ela também acabará usufruindo, como livros e cds; nesta categoria eu me encaixo). E por fim, o grupo de pessoas que dão presentes por impulso, por problema de ansiedade, peso na consciência, ou sei lá porque, mas nunca falham; elas sempre dão presentes, e em menos de 1% das vezes se trata de alguma coisa que você goste ou sequer irá usar (se for uma camiseta você usará, na melhor das hipóteses, como pijama), trupe esta da qual tia Nêna é grande simpatizante.

- Da Ritinha para o Edu! - começa a tia Mirtes, e assim prossegue até que se esgotem os embrulhos debaixo da árvore. O presente que ganhei da tia Mirtes foi uma camiseta preta que quase me fez trocá-la de categoria. Mas ela tem muitos créditos comigo ainda, portanto fica na primeira. A tensão cresce quando começa a sessão dos presentes da tia Nêna.
Apesar da ligeira apreensão, já tenho vasta experiência no assunto e quando ouço ´´Da tia Nêna para o Mauro´´, forjo o melhor sorriso que consigo, me dirijo a Tia Nêna e antes de abrir o presente abraço-a e digo ´´Obrigado tia, não precisava´´ sento-me, começo a desfazer o embrulho e a me preparar para dizer ´´claro, claro´´ ou simplesmente abanar afirmativamente a cabeça quando estiver segurando algo parecido com uma capa de botijão de gás em frente ao corpo, e ouvir ´´serviu?´´. Mas o que se sucedeu foi muito pior.
A consistência do presente era parecida com a de sempre, portanto não parecia haver nada a temer. No entanto, ao tira-lo do embrulho, fiquei sem ação. A sorte é que fui silenciosamente amparado por meu irmão e todos os primos que abriram seus presentes dado pelo tia Nêna quase ao mesmo tempo e se depararam com a mesma coisa: um toalha. Alias não apenas uma; duas: uma de corpo e uma de rosto. Ao menos ela teve o bom senso de variar as cores, a minha era azul-marinho. Mas o fato é que se instaurou no ambiente um silêncio sufocante, protagonizado não só por nós, os sobrinhos presenteados, como também por nossos pais.
Eu juro que tentei ajudar, mas analisando friamente a situação, apesar de ter quebrado o gelo, acabei dizendo talvez a pior coisa possível, mas infelizmente foi a única coisa que me veio à cabeça: ´´Pô tia! Era justo o que eu tava precisando!´´. Nisso já via os meus primos menores olhando para meus tios com ar de dúvida, outros ainda procurando algo escondido dentro da toalha. Que situação!

Apesar disso, devo admitir que é esse tipo de coisa que me faz gostar do natal, da reunião da família, essas bizarrices particulares de cada um, que colabora e dá sentido a essa sagrada entidade. No fim das contas, talvez seja o primeiro presente da tia Nêna que eu acabarei usando. Uma toalha, apesar de não ser lá um presente que todos gostariam de ganhar, sempre terá sua utilidade.

sábado, 19 de setembro de 2009

Vaga na ABL

Hoje (o6/09), domingo pela manhã, passeando os olhos descompromissadamente pelo jornal enquanto tomava o café da manhã, me deparo com a seguinte manchete: ''Collor agora integra time dos 'imortais' que não se destacam por seus livros''. Realmente, apesar de eu não ser lá um profundo conhecedor da literatura brasileira contemporânea, era pouco provável que eu ignorasse toda a produção literária de uma personalidade tão eminente nas últimas décadas como nosso ex-presidente da república.
Lá pelas tantas leio ''...para Collor, que jamais escreveu um livro, o critério para integrar a casa foi mais generoso: levou em conta artigos, planos de governo e até discursos''. Juntar-se-á a seus amigos de senado Marco Maciel e José Sarney, esses sim, figurões das letras nacionais, cujas obras devem ter sido lidas por algumas dezenas de pessoas, incluindo familiares e amigos.
Collor e sua conquista, apesar de restringir-se ao estado das Alagoas, encorajaram-me a pleitear uma vaguinha na casa do Machado. Seria bacana e útil me tornar conhecido por meus futuros colegas de profissão Moacyr Scliar e Ivo Pitanguy; tomar o tradicional chá perguntando a Paulo Coelho sobre suas parcerias com Raulzito; indagar ao João Ubaldo Ribeiro e ao Carlos Heitor Cony se é possível ser cem porcento verdadeiro e ao mesmo tempo tão engraçado quando se escreve crônicas, além de andar pra lá e pra cá ostentando aquele estofado de poltrona velha que eles insistem em vestir nas ocasiões importantes. Afinal de contas, apesar de possuir menos de um terço da idade da maioria dos imortais, a iniciação precoce no mundo das letras me trouxe um vasto currículo, que irei compilar nas próximas linhas. Flerto com uma corrente literária que me obriga a fugir do trivial, por isso ordenarei-o de acordo com minha trajetória escolar.
Ei-lo:

1a série do fundamental:
- Elaboração de um jogral de final de ano em homenagem a professora Rosana, cujo inicio era ''Querida, amada, idolatrada, salve salve, professora Rosana...'' (inevitável, atualmente, invocar Vanusa ao relembrar da ocasião).

2a série do fundamental:
- Elaboração de um segundo jogral, desta vez para a professora Flávia, com uma adesão relativamente menor por parte da turma.

3a série do fundamental:
- Roteiro e direção de uma peça teatral sobre a Abolição da Escravatura, encenada pelos colegas de sala, na qual princesa Isabel tinha uma terrível enxaqueca e mal sabia o que estava assinando. - Um poema sobre o Dia do Soldado, publicado no mural do colégio.
- Elaboração da terceira edição do jogral, com adesão nula.

6a série do fundamental:
- Após curto período improdutivo, escrevi ''A Oliveira'' um ''livro'' de dez páginas que contava a história de um escravo órfão, desde o nascimento até sua morte (aos 60 anos) .
- Também fui co-autor de um suspense policial escrito por meu primo, de cujo nome já não me recordo. Só me lembro de ter ficado enraivecido por ter meu nome na capa (chegamos a encadernar a obra) como ''co-autor''.

7a série do fundamental:
- Competidor para representante do colégio num concurso nacional de cartas. Havia dois candidatos a vaga e até hoje não me avisaram do resultado.

8a série do fundamental:
- Fundação de um grupo literário, com mais três colegas de turma, que tinha por objetivo escrever um livro de ficção e se reunia todas as sextas-feiras a tarde. Durou quatro semanas, ao cabo da qual nos deparamos a jogar ludo e desistimos do projeto.

2o ano do ensino médio:
- Contos de suspense policial escritos como lição de casa para as aulas de redação, que na verdade eram plágios resumidos dos livros de Agatha Christie, com a substituição de Hercule Poirot pelo detetive Pedro Mendonça. (Fizeram grande sucesso entre a professora Nancy e os colegas de turma, que nunca tinham de ler suas redações pois as minhas ocupavam todo o tempo da aula).

3o ano do ensino médio:
- Composição de quatro canções (letra e melodia) das quais a de maior sucesso intitula-se ''Sobre nós'' e possuí quatro acordes, todos com sétima aumentada.

Período entre a formatura do segundo grau até os dias atuais:
- Coletânea de crônicas, cujo décimo terceiro título é este que agora lês, e que já possui leitores de todos os estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, exceto Mato Grosso, Goiás Rio Grande do Sul e Espírito Santo.

Seguidores

Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.