segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Cinco filmes, cinco dias, vinte reais

Poucos momentos são tão aborrecidos como os que minha mãe anuncia que vamos ao shopping porque ela e minha irmã vão comprar roupas para mim. Sim, já tenho lá meus vinte e tantos anos e ainda é minha mãe quem escolhe minhas roupas. Nenhuma vergonha quanto a isso, e se dependesse de mim poderia permanecer assim até que fosse chegada a hora de um de nós ir para debaixo da terra.
Sou bem desligado nesses assuntos, quase sempre aprovo o que minha mãe e minha irmã compram. Não faço a menor questão de acompanhá-las em sua peregrinação de loja em loja, nas quais passam horas intermináveis, felizes da vida por escolherem vinte e sete peças de roupa diferentes e na maioria das vezes não levar nada. Sempre que era convecido ou obrigado a ir junto, escolhia a primeira coisa que via pela frente, para indignação e frustração de minha mãe. Não à toa, quando eu era pequeno, um dos pesadelos mais frequentes tinham como cenário aquelas grandes redes de lojas de roupas, tipo a CeA, onde eu invariavelmente me perdia de meus pais e aqueles cabideiros ganhavam vida e passavam a me perseguir pela loja sem fim.

Em contrapartida, há escolhas muito mais agradáveis, como um livro para presentear(-se) ou um filme para alugar. Numa livraria ou locadora sim, posso passar horas a fio e, mimetizando minha mãe, tomar nas mãos e fingir que vou levar vinte e sete itens e muitas vezes levar um, ou nenhum. Ainda por cima sem o contrangimento de ter de passar dezenas de vezes pelo fiscal do provador, que sabe muito bem que as pessoas que realmente intencionam comprar alguma coisa, geralmente não passam por ali mais do que duas ou três vezes.
Houve um tempo em que eu e um dos amigos com quem divido o apartamento em Floripa alugávamos no mínimo um filme por semana, bolamos até um complicado método na seleção dos títulos, mas que sempre terminava com o palpite do Emanuel, funcionário meio gordo, meio japonês, única pessoa realmente confiável naquele lugar. Digo isso porque pessoas como o Emanuel são estremamente raras hoje em dia, o que parece até um paradoxo.
Não sei que critérios os donos de locadoras utilizam para escolher seus funcionários, mas é arriscadíssimo pedir a opinião deles na hora de escolher um filme. É incrível a capacidade que eles tem de juntar falta de bom senso com mau gosto e dar sempre os piores palpites. Houve época em que já quis ser dono de locadora, eu mesmo seria o palpiteiro da clientela. Já cansei de planejar este empreendimento, depois de passar pela fase em que a dúvida era ser bombeiro ou marceneiro.
Em minha imaginação, minha locadora não faria parte de uma grande rede, uma Blockbuster, e sim uma pequena locadora meio mal localizada, mas com o diferencial das boas indicações e por isso muito bem difundida e frequentada, devido ao boca a boca. Claro que eu não poderia trabalhar lá em tempo integral, por isso, inevitável contratar ao menos um funcionário, que passaria por um critério de seleção que iria muito além do 2o grau completo.
"Fulano, o que você sabe sobre Hitchcock? Truffaut e Godard? Gosta dos irmãos Coen? Qual é a melhor atuação do Marlon Brando, em sua opinião? O que pensa sobre Kubrick? E Spielberg? Cite vinte filmes do Woody Allen, eleja seu favorito e justifique. O que sabe sobre cinema nacional? Qual seu filme favorito?"
Talvez a entrevista começasse por essa última pergunta, pouparia tempo. Outro amigo meu contou que certa vez estava numa roda de amigos conversando sobre cinema, cada um dizendo qual era seu filme favorito, quando um sujeito me lança "Debi e Loide". Todo mundo olha com cara de espanto, no que ele se explica "Calma pessoal, me refiro ao Debi e Loide 2 - Quando Debi conheceu Loide". Se um camarada desses entrasse na minha locadora pedindo emprego seria abatido a tiros.
A gente cresce e percebe que essas coisas geralmente não dão muito certo, no náximo eu mesmo seria contratado de uma videolocadora e na melhor das hipóteses seria considerado um novo Emanuel. Infelizmente hoje já não posso mais imaginar que serei bem sucedido em minha profissão a ponto de poder investir na abertura de minha própria locadora. Não por achar que não obterei êxito como médico, mas porque as videolocadoras estão condenadas ao seu fim.

Atualmente não faz o menor sentido pagar oito reais (em média) por um lançamento 24h. É possível baixar filmes da internet com qualidade blue-ray gratuitamente, pratica cada vez mais comum e que faz com que as locadoras aumentem o preço da locação sem qualquer escrúpulo. É o mesmo destino reservado às lojas de cds e qualquer mercadoria que possa ser adquirida pela rede. A venda de tais produtos serão restritos cada vez mais aos colecionadores.
Apesar de também ser usuário do utorrent, sempre que posso prestigio as escassas promoções do tipo "cinco filmes, cinco dias, vinte reais", que ainda existem numa locadora aqui perto da minha casa em São Paulo. Lembro-me de uma das vezes que lá estive; ouvia palpites sóbrios de um funcionário sobre uns filmes do Oliver Stone, quando um grupinho de garotos, de uns onze ou doze anos, se aproximou com murmúrios de "pergunta você", "não, não, pergunta você", até que um deles se aproximou do funcionário e meio sem jeito indagou "Você tem Espantalhos 2?". Achei graça da coisa, imaginei que cenas como essa acontecerão cada vez menos, dada a iminente obsolescência do estabelecimento e, após alguns instantes de pesquisa no sistema, o funcionário volta e diz: "Desculpe, não encontrei, mas temos alguns bons desse gênero em VHS". "Ah! Não, obrigado". Ainda pudemos ouvir quando, imaginando-se longe o suficiente para não ser ouvido, um dos meninos perguntou ao amigo o que era um VHS.
Querendo ou não, há processos e rumos contra os quais não temos muito como lutar. Mas não tenho dúvidas de que, perante a traquinagem de um neto ou apenas para argumentar longevidade, ainda direi: "Sou da época em que se alugava filme em locadora e se copiava mapa em papel vegetal".

4 comentários:

Bá disse...

a primeira coisa que me veio em mente foi: cara, como eu odiava copiar mapas com papel vegetal! huahauhauha

eu sempre achei que teria uma livraria...daquelas pequenininhas, com livros caindo pelas beiradas, estantes de madeira sem fim...
dae virei adulta e a livraria se foi...haha

bjos, Pedro!

Arthur Pompilio Astrogildo da Silva disse...

kkkkkkkk, Seria mais facil... mas complicado é mais legal!

Jehba Kazuzinha disse...

Ah como eu amava essas promoções de videolocadora *-* ..Infelizmente as coisas mudam, coisas da vida =/.
Nossa odiava copiar mapa em folha vegetal, sempre tinha q usar aquelas canetas ultrafine e que quase sempre borravam todo meu mapa =[.
Pois é, impressionante como o tempo voa. Logo você, está ai se formando em medicina e parece q foi ontem quando vc está super ansioso contando para todos seu ingresso na faculdade. Ahh q orgulho!!! =D
Beijos enormes e saudades gigantescas.

Jéssica Uno

Anônimo disse...

Ah então é tão atormentador assim? Deixarei você andar mulambento.
hahahha

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.