quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Tudo pode dar certo

Esses dias assisti no cinema “Um conto chinês”, e por um detalhe ou outro ele me fez lembrar aquele filme do Woody Allen, “Tudo pode dar certo”, que fica ainda melhor no seu título original “Whatever works”. Comecei a viajar no meio do filme lembrando do outro, o que , como acontece com todo mundo, fez lembrar de uma outra situação, depois outra, e quando voltei a mim, tava assistindo de olhos vidrados o fundo do saco da pipoca em vez do filme na tela.
No filme do Woody, em mais um de seus renitentes finais, seu alter-ego Boris, após a contagem regressiva para a chegada de mais um ano, chega a nós expectadores e diz: “Acontece que odeio festas de fim de Ano Novo. Todo mundo desesperado pra se divertir, tentando comemorar de algum modo patético. Comemorar o que? Um passo mais próximo da sepultura? É por isso que não me canso de dizer: Qualquer amor que possa receber e dar, qualquer felicidade que possa se apropriar ou fornecer, cada breve gesto gentil, tudo pode dar certo...”

Uma das coisas das quais me lembrei durante essa viagem na maionese foi da época do cursinho. Na minha frente, na sala de aula, sentava uma menina simpática, inteligente, que sempre andava com roupas esportivas e que assim como eu prestaria vestibular para medicina. Por sentar na minha frente, entre uma aula ou outra, apesar da bitolagem inerente aos vestibulandos, vez ou outra escapava alguma trivialidade. Lá pelas tantas ela me contou que gostava muito do Garfield, aquele gato laranja.
A gente lá em casa sempre assinou a Folha de S. Paulo, e na penúltima página do caderno Ilustrada são publicadas diariamente tirinhas do Garfield. Passei então a, quando me lembrava, recortar as tirinhas. Outro dia qualquer a Sports (era assim que chamávamos a menina, não me recordo do nome verdadeiro dela) me contou o dia em que fazia aniversário, e eu decidi que naquele dia eu daria as tirinhas recortadas de presente pra ela.
E realmente o fiz. Nem tinham muitas, que fossem umas vinte, sei lá. Ela ficou bastante feliz; não poderia ela pensar que fosse algum tipo de flerte, já que eu tava de rolo com outra menina da mesma sala. Mas o fato é que foi apenas um gesto gentil, num dia especial, apesar de toda atribulação dessa época conturbada de vésperas de vestibular. A maioria dos concorrentes tava mais preocupada era em ver a pontuação dela nos simulados, e se soubesse que era seu aniversário lhe daria uma barrinha de cereais envenenada. Mas nosso sucesso independe do sucesso ou fracasso dos outros, e aproveito pra repetir os dizeres do Boris/Woody: “...qualquer felicidade que possa se apropriar ou fornecer, cada breve gesto gentil, tudo pode dar certo...”

Todo mundo passa boa parte do seu tempo trabalhando em atividades desagradáveis, aturando pessoas arrogantes, enfrentando trânsito, prazos e outras pendências. Por que há de ser eu, ou você, a fornecer mais dissabor à vida dos outros. Entenda-se por “outros” tanto os conhecidos como os desconhecidos. Cordialidade não faz mal a ninguém.
Nem precisa de tanto trabalho, do tipo ficar recortando jornal. Um sorriso no rosto muitas vezes faz uma baita diferença.

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.