sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Apenas mais uma de amor (virtual)

“Conheceram-se” numa rede social. “Curtiram”-se um tempão antes de marcarem o primeiro encontro. Antes da data marcada passaram alguns dias investigando (nada muito além da Wikipedia) um pouco mais sobre Caio Fernando Abreu e Arnaldo Jabor, autores das frases do perfil dela e dele, respectivamente (depois ele descobriria que a frase nem era do Jabor, mas de um fulano qualquer). Ele aprendeu a base de “Love me two times” dos Doors e um ou outro solinho dos Beatles, caso fosse necessário provar que os interesses mostrados na página da rede eram realmente genuínos. Ela tratou de assistir Truffaut e Godard, entenda-se tão e somente “Os Incompreendidos” e “Acossado”, caso ele soubesse do que se tratava aquele interesse por Nouvelle Vague que constava em seu perfil.
Parecia-lhes interessante que se gostasse daquelas coisas, apesar de não ser bem daquilo que eles mais gostavam.
Houve bastante honestidade de ambas as partes quando jogaram as expectativas lá embaixo. Afinal de contas, das três mil fotos que cada um tirou na vida, eles sabiam que no álbum de fotografias da rede social constavam apenas uns 30 lances de sorte; poderia ser (e era muito provável) que um ser humano bem diferente se apresentasse dali a uns dias.
Encontraram-se num barzinho cult que não remetia ao gosto de nenhum dos dois, mas que ele achava que agradaria a ela, e ela a ele. Cumprimentaram-se com um beijo no rosto, ela até virou o rosto para o segundo, mas ele sentou-se sem notar. Pediram uma cerveja Long Neck, uma caipirinha de kiwi e uma porção de batata frita aos quatro queijos, especialidade da casa, segundo ele leu no site.
Começaram uma ectoscopia involuntária, sem diálogo. Ele tinha um tique estranho (se é que algum tique não é estranho, ela ponderou na hora) envolvendo a sobrancelha esquerda, enquanto ele achou que ela aparentava ter adquirido uns quilos a mais desde a última fotografia tirada e postada na rede. Nada que os tenha abalado significativamente.
Quando ela percebeu que ele estava atentando para a recém adquirida tatuagem de libélula no ombro esquerdo, resolveu perguntar se ele havia comprado a escaleta que tinha mencionado certa vez no MSN. Ele, que disse isso apenas por imaginar que tocar escaleta poderia parecer interessante, ia começar a inventar uma série de bobagens mais ou menos convincentes, ao que a banda começou a tocar “With a little help from my friends”, na versão do Joe Cocker.
- Olha, a música dos Anos Incríveis! – Ela disse.
- Você assistia? – Ele perguntou, em meio a outro tique supraocular.
E aí eles, nascidos no final da década de 80, viram nos clássicos da TV cultura um bom fio condutor para início do papo. Ele disse que não perdia um episódio sequer do Mundo de Beackman, enquanto ela achava o máximo as Confissões de Adolescente.
Passearam por trivialidades da infância, e quando ele contou que teve três bichinhos virtuais simultaneamente, ela deu uma risada tão gostosa, que ele, pela primeira vez, fez um elogio espontâneo, algo que não havia ensaiado em casa. “Que dentes brancos, você não tem nenhuma foto deles no computador”. Pelo menos na intenção era um elogio.
Ele nunca tinha visto porque ela imaginava que não convinha ter fotos mostrando risadas de orelha a orelha no álbum de fotos virtual. O conveniente era ter fotos mais ou menos de perfil, usando óculos de sol, juntando os braços para salientar o decote, foto batida de cima, e com a legenda “Por do Sol em Fernando de Noronha” ou “Barceloneta...saudadeeess”.
Ainda voltaram a falar um pouco da infância, do gravador vermelho da Gradiente, da chatice de copiar mapa em papel vegetal, mas aos poucos se deram a chance de se conhecer melhor e verdadeiramente. Foram percebendo que eram de fato diferentes daquilo que imaginavam que seria o mais bacana mostrar pela web, mas não menos interessantes. Falaram de suas viagens, de comida, das abobrinhas que postam na internet, filmes que realmente assistiram, músicas que realmente curtiam (ele descobriu que não era manjado demais curtir Paralamas e Titãs, e ela que não faz feio assistindo Spielberg e comédias românticas).
Quando ele a deixou em casa, não conseguiu nem tentar beijá-la, apesar de imaginar que ela estivesse (e realmente estava) afim. Estava acostumado a nem precisar impressionar as menininhas que ele pegava via chats obscuros com seu e-mail fake. Ali era outra história.

Encontraram-se outras vezes, foram se envolvendo, trocaram o status de relacionamento na rede social. Até trocaram juntos a frase do perfil. C. F. Abreu e o pseudo-Jabor deram lugar ao manjadíssimo Renato Russo: “quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração...”. Bateu ciúmes virtuais, por “curtição” indevida de pessoas indesejadas nos posts de um e de outro. Suicidaram-se e ressuscitaram várias vezes na rede social. Ficaram juntos um tempo bem razoável. A relação seguiu a tendência sistólica e diastólica que parece reger todo o universo; um dia encontraram páginas com perfis que pareceram ser mais interessantes, e trataram de reconstruir as versões ideais sobre si mesmos.
Nada de novo sob o Sol. Ou melhor, nada de novo inside the web.

8 comentários:

Arthur disse...

Um tique estranha?!
hahaha

Os namoricos da internet... Impressionam-se com palavras escritas; futuramente enjoam das faladas!

Anônimo disse...

Eu amei este! Até agora é meu preferido :) ~Tô com saudade maninho, beijos te amo.
Isa

Afonso disse...

ótimo texto, pedro!!!
Bom ritmo, boas citações, boas referências e boas meias-verdades que sempre usamos para aumentar nossa sombra projetada na parede.

Abraços,
Esse foi o primeiro, agora vou ler os outros!

Caio Matta disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Caio Matta disse...

Mto bom esse texto...mtas pessoas realmente se escondem atrás de perfis falsos (o q é uma pena) só para impressionar os outros.

César disse...

sou um leitor do seu blog agora garoto! muito bom! ouro preto em!

Conselho da Mãe ... disse...

Momento nostalgia... curti tudo.. desde os anos incríveis até o papel vegetal! estilo thumbs up mesmo...

Muito bom o texto, como sempre. Do começo ao fim.. e a reconstrução de sua versão ideal.. foi um perfeito diagnóstico pra esse "nosso" mundo de redes sociais.

parabéns! =D

Bjão!

Conselho da Mãe ... disse...

Pedro... é a MAIA aih em cima hahaha estou logada como a minha mãe.. sorry!... :P

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.