sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Tia Ciça


Hoje, 19 de outubro, é aniversário de meu pai. Tentei reunir palavras sinceras e bastante positivas para desejar-lhe, mesmo sabendo que por telefone e de supetão acaba que sempre sai mais ou menos as mesmas coisas. Inclusive é por isso que, sempre que consigo, gosto de escrever alguma coisa para as pessoas em datas especiais.
- Oi pai, parabéns! Muitas felicidades, saúde, que você tenha um ótimo dia. Tudo bem por aí?
- Filho, tenho uma notícia triste. (Como a voz do meu pai já estava embargada, na fração de segundo que levou para ele tomar fôlego, fiz uma pesquisa relâmpago em minha mente: todos os meus avós já se foram e ninguém da família estava doente, a noticia realmente deveria ser ruim). – A Tia Ciça. Ela morreu hoje.
Ainda não sabiam com segurança a causa da morte, ela foi encontrada descordada de manhã, pela moça que limpava sua casa, e a perícia estava por vir. Eu, que mal consegui proferir algo decente para desejar pelo aniversário de meu pai, me vi tentando dizer algo que substituísse o maior abraço do mundo, para ampará-lo pela perda de sua irmã, justo no dia de seu aniversário.
Ontem mesmo meu pai me enviava fotos da minha infância para eu usar nas preparações para minha formatura. Imagino-o dormindo com uma sensação boa, nostálgica, revigorado para seu aniversário. Mas como disse certo sábio “Tudo se dá de maneira tão imprevisível, tão injusta, que a felicidade humana às vezes parece não fazer parte do projeto da Criação”.
               
 Já mencionei Tia Ciça em outras oportunidades. Há vezes em que falo de maneira um pouco cômica sobre trejeitos, manias ou particularidades de familiares e uso codinomes para eles. Tia Ciça, em minhas crônicas, era Tia Nêna, “a tia dos presentes que ninguém usa”.
 Lidar com a morte nunca é fácil. A ideia de que você nunca mais vai ver a pessoa é muito ruim, e pensar nas reuniões da família sem a tia Ciça é muito, muito triste. É a saudade como o avesso de um parto, parafraseando Chico. Daí você começa a lembrar das histórias que viveram juntos, da voz da pessoa, de sua forma de lidar com os outros, da risada, de como se sentia bem ao lado dela. E então fica triste, porque tudo isso foi embora.
Tia Ciça era uma pessoa bastante espiritualizada, dava aulas num centro espírita, e tinha ideias firmes sobre vida, morte e seus propósitos. Pensar que ela está cumprindo tudo aquilo em que acreditava dá força para encarar a perda, sendo a morte uma etapa inevitável, parte do processo evolutivo, e que por Tia Ciça, foi cumprida de maneira rápida e inesperada, sem direito a preparos nem ensaios. E quem conhece sua história, sabe que ninguém melhor que ela para lidar com situações desse tipo.

Duro pensar também quantos ao nosso redor irão sem preparo e sem ensaio. E é inevitável. Isso deixa em primeiro plano a ideia de pararmos de encrencar com bobagens e fazermos sempre o melhor que pudermos aos nossos familiares e as pessoas que amamos. E então, na hora em que “a indesejada das gentes” chegar, pensar na pessoa querida e poder dizer “Estou triste, mas não poderia ter sido melhor”.
 Tia Ciça deixa uma grande lacuna na família, e os natais sem ela certamente não serão mais os mesmos. É uma imagem muito carinhosa que tenho, ao imaginar noutro plano, Tia Ciça fazendo a alegria das pessoas, presenteando-as com toalhas, meias e loções pós-barba.

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.