Hoje, 19 de outubro, é aniversário de meu pai. Tentei reunir
palavras sinceras e bastante positivas para desejar-lhe, mesmo sabendo que por
telefone e de supetão acaba que sempre sai mais ou menos as mesmas coisas. Inclusive
é por isso que, sempre que consigo, gosto de escrever alguma coisa para as
pessoas em datas especiais.
- Oi
pai, parabéns! Muitas felicidades, saúde, que você tenha um ótimo dia. Tudo bem
por aí?
-
Filho, tenho uma notícia triste. (Como a voz do meu pai já estava embargada, na
fração de segundo que levou para ele tomar fôlego, fiz uma pesquisa relâmpago em
minha mente: todos os meus avós já se foram e ninguém da família estava doente,
a noticia realmente deveria ser ruim). – A Tia Ciça. Ela morreu hoje.
Ainda
não sabiam com segurança a causa da morte, ela foi encontrada descordada de
manhã, pela moça que limpava sua casa, e a perícia estava por vir. Eu, que mal consegui
proferir algo decente para desejar pelo aniversário de meu pai, me vi tentando
dizer algo que substituísse o maior abraço do mundo, para ampará-lo pela perda
de sua irmã, justo no dia de seu aniversário.
Ontem mesmo meu pai me enviava fotos da minha infância para eu usar nas preparações
para minha formatura. Imagino-o dormindo com uma sensação boa, nostálgica,
revigorado para seu aniversário. Mas como disse certo sábio “Tudo se dá de
maneira tão imprevisível, tão injusta, que a felicidade humana às vezes parece
não fazer parte do projeto da Criação”.
Já
mencionei Tia Ciça em outras oportunidades. Há vezes em que falo de maneira um
pouco cômica sobre trejeitos, manias ou particularidades de familiares e uso
codinomes para eles. Tia Ciça, em minhas crônicas, era Tia Nêna, “a tia dos
presentes que ninguém usa”.
Lidar
com a morte nunca é fácil. A ideia de que você nunca mais vai ver a pessoa é
muito ruim, e pensar nas reuniões da família sem a tia Ciça é muito, muito
triste. É a saudade como o avesso de um parto, parafraseando Chico. Daí você
começa a lembrar das histórias que viveram juntos, da voz da pessoa, de sua
forma de lidar com os outros, da risada, de como se sentia bem ao lado dela. E
então fica triste, porque tudo isso foi embora.
Tia
Ciça era uma pessoa bastante espiritualizada, dava aulas num centro espírita, e
tinha ideias firmes sobre vida, morte e seus propósitos. Pensar que ela está
cumprindo tudo aquilo em que acreditava dá força para encarar a perda, sendo a
morte uma etapa inevitável, parte do processo evolutivo, e que por Tia Ciça,
foi cumprida de maneira rápida e inesperada, sem direito a preparos nem
ensaios. E quem conhece sua história, sabe que ninguém melhor que ela para
lidar com situações desse tipo.
Duro pensar também quantos ao nosso redor irão sem preparo e
sem ensaio. E é inevitável. Isso deixa em primeiro plano a ideia de pararmos de
encrencar com bobagens e fazermos sempre o melhor que pudermos aos nossos
familiares e as pessoas que amamos. E então, na hora em que “a indesejada das
gentes” chegar, pensar na pessoa querida e poder dizer “Estou triste, mas não
poderia ter sido melhor”.
Tia
Ciça deixa uma grande lacuna na família, e os natais sem ela certamente não
serão mais os mesmos. É uma imagem muito carinhosa que tenho, ao imaginar
noutro plano, Tia Ciça fazendo a alegria das pessoas, presenteando-as com
toalhas, meias e loções pós-barba.
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