Acho o maior barato morar no Saco dos Limões. Embora siga
dizendo que, caso um dia more em definitivo em Florianópolis, quero ir para o
sul da Ilha (o que com frequência faz com que os ouvintes me indaguem qual meu
conceito de “definitivo”, já que moro na cidade há quase 8 anos), sinto-me numa
feliz e tranquila passagem por esse bairro com ares de vila.
O bairro parece ter sido meio eclipsado pelo crescimento dos bairros vizinhos
(centro e arredores da UFSC), que lhe projetaram uma sombra na qual pouca coisa
cresce, como se fosse uma planta com crescimento restrito dada a quantidade de
sol insuficiente para uma fotossíntese decente. Resultado: O Saco dos Limões
parou no tempo, e eu gosto muito disso, pois acho que também nós deveríamos, em
vários aspectos, ter parado no tempo.
O legal por
aqui é que há coisas que só persistem por estar no bairro. Noutro mais
moderninho nem abririam. Aliás, ganhamos recentemente uma biboquinha que vende
mini-pizzas fora de série. Pizza Roots, o nome. Um casalzinho simpático, que
capricha no recheio e na massa fina. Uma das melhores da cidade, mesmo! Tô
viciado e já levei gente lá. O lugar parece (aliás é) uma garagem, onde
improvisaram 3 mesas, duas de plástico com toalha de mesa xadrez, tipo cantina
italiana, e outra mesa de madeira, sem nada. Incrível!
Na mesma
rua (a principal do bairro), tem os estabelecimentos que devem figurar entre os
mais antigos da cidade. Entre eles a Barbearia Silva, com o próprio Seu Silva
cortando cabelos há (segundo ele; e por que eu duvidaria?), 58 anos, só ali
parece que há mais de 30. Descendente de uma família do ramo, teve o pai e os
irmãos no mesmo oficio, e conta essa história quase toda vez que vou cortar o
cabelo ou fazer a barba, junto aos inevitáveis comentários sobre o vento sul, as
catastrofes naturais, os impostos e toda aquele papo inerente a qualquer
barbearia tradicional do mundo. Deve fazer parte da formação deles.
A 50 metros
da barbearia fica a Ilhafarma (me surpreende muito não ser com ph). Deve ser o
estabelecimento mais antigo do bairro, o letreito mostra o número do telefone
ainda com 6 digitos, e a cor dele, outrora branco, não tá nem amarelado, tá
mostarda mesmo. Caso alguém duvide da antiguidade da farmácia, é só dar uma
olhada em seu interior: prateleiras com uma série de caixas embrulhadas em
papel pardo, e um dono (ou funcionário) barrigudo, de cabelos loiros compridos,
bigode volumoso e um ar de que não sai de trás do balcão desde os anos 80.
Talvez para abrir a porta, daquelas cinzas que rolam de cima pra baixo. Acho
que eles se especializaram em emplastros e poções, e estão ali por puro hobby.
Tem de ter outro tipo de renda, tem de ter! Nunca vi ninguém entrando lá.
Gosto muito
de passear pelo bairro, sempre faço uns caminhos diferentes, observando as
ainda preservadas casas térreas, que não cederam muito espaço aos altos
edifícios, embora inevitalvemente (?) cada vez mais numerosos no entorno. Muitas senhoras e senhores nos quintais, num silêncio que só é
quebrado pelos horários de entrada e saída da criançada no colégio Getúlio
Vargas, ou sazonalmente, pelo ensaios da Consulado, escola de samba daqui do
bairro. Nunca fui num, mas dá pra ouvir do quarto, e é bacana também, ano que
vem vou “de certeza”.
Esse clima
nostálgico ainda se mescla com a beleza de ter a vista toda da baia sul, o
Cambirela ao fundo, os aviões indo e vindo do aeroporto Hercílio Luz ao longe.
A coisa mais gostosa que tem é acordar com qualquer humor e ir correr, ir ao
trabalho, ou não ir a lugar nenhum, e ficar uns instantes só olhando essa
paisagem. Não importa nada, tá tudo ali, do mesmo jeito, imponente, querendo
fazer a gente entender alguma coisa.
O que certa
turma não entende é essa vocação natural do bairro para coisas antigas:
paralelepípedos, camurça, Monza Hatch e afins, e inventaram de construir um
prédio alto, todo desproporcional a seja o que se queira considerar. Batizaram
de Novo Centro, e a construção já está tapando metade da vista daqui pro Cambirela. Não podia dar
certo. Alias, eles estão contruindo desde que cheguei aqui, há mais de 1 ano, e
não conseguem terminar. Deve ter alguma energia coletiva sugando a capacidade
de trabalho do pessoal. Mas a gente sabe como as coisas são, uma hora fica
pronto.
Acho que eu
deveria tirar uma foto da sacada. Mesmo que eu não quisesse, sairia em preto e branco. Guardar e mostrar o Saco dos Limões daqui
umas décadas. Nela teria as casas baixas, a baia Sul, o Cambirela (ou metade dele),
algum avião voando baixinho rumo ao aeroporto e, mais do que isso: haveria a
sensação de um silêncio gostoso, quase uma manifestação às avessas, de uma
pequena parte de Floripa que, a sua maneira, foge a essa gritaria infértil de um
momento histórico desengonçado e careta.
2 comentários:
Grande fumaça! Mto bem retratado meu irmão.. Ótimo texto. Abs joao
Rssss... Muito bom.
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