quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Na feira

(Sempre achei bacana as dedicatórias. Tem os que dedicam músicas, gols, livros. Há 1 ano, um grande amigo dedicou-me a conquista de um troféu. Retribuo, dedicando-lhe esta crônica, a qual sei que é, dentre as minhas, a sua favorita, e também aos demais amigos que estavam presentes palpitando sobre os alfaces, numa das situações que lerão a seguir, e que dias depois, junto comigo, foram confundidos com os integrantes de uma banda sertaneja, história que estou devendo há algum tempo. Por ora, mais uma do fundo do baú...)


Fui à feira e comprei quatro caixas de morango, uma dúzia de laranjas, duas pencas de banana, algumas verduras, um pastel e um caldo de cana.
Não, não se trata daquela velha brincadeira em que a gente inventa que foi na feira comprar coisas e quando chega a sua vez de falar, você tem de lembrar do que todos compraram até então e dizer alguma coisa nova, e quem não acertar a ordem das coisas tem de pagar uma prenda. Hoje eu realmente fui à feira, com meu pai.
Não tenho prática na escolha de vegetais e também não sei o que seria um preço justo para cada um deles, portanto minha função era ajudar meu pai a carregar as sacolas. E, ao final da empreitada, a merecida recompensa: pastel e caldo de cana.
A feira em questão acontece toda-terça feira num bairro de São Paulo onde moro desde que nasci. O mecanismo da feira é bem distinto de uma outra que conheci numa cidadezinha no noroeste do Paraná. Lá a feira começa religiosamente as 17h, inclusive com o soar de um apito, que permite que as pessoas iniciem suas compras.
Minutos antes do soar do apito, algumas pessoas já se prostram em frente à barraca do alface, produto provavelmente escasso na região, haja vista a concorrência para apanhar o seu...maço?
Abro aqui um parenteses para comentar uma questão levantada naquela ocasião. Justamente discutindo a disponibilidade de tal hortaliça, estávamos quatro amigos e eu nos indagando sobre qual o nome que se dá para um conjunto de alface. Cada um tinha seu palpite, alguns razoáveis e outros completamente impossíveis e fora do bom senso. Eis as opções:
1 – Pé de alface
2 – Cabeça de alface
3 – Maço de alface
4 – Moita de alface
5 – Buquê de alface (meu palpite)
Como não chegávamos a um consenso, fomos pedir opiniões alheias e o placar ficou mais ou menos empatado entre pé de alface e maço de alface. Mas no fundo, isso é coisa regional, tenho certeza de já ter ouvido por aqui os feirantes das barracas de alface gritando ´´Dois buquê é um real!´´ ou algo que o valha.
A feira daqui é muito diferente. Lá, apesar do inicial fuzuê causado pela compra de alface, a feira em si é silenciosa, ninguém grita nada, todos sabem onde achar o que querem, até porque não há lá muitas opções. Aqui, primeiramente, a não ser que esteja muito enganado, não há apito ou sirene que nos diga quando podemos iniciar as compras. É bem verdade que nunca compareci ao inicio da feira, que aqui é de manhã bem cedinho, mas ninguém nunca me falou sobre tal peculiaridade.
O que pra mim melhor caracteriza a nossa feira, ou, no meu mundo bolha de antigamente, todas as feiras do mundo (ainda acredito que a maioria seja assim) é aquele furdúncio e desordem causados pelos transeuntes que fazem de seu próprio trânsito algo mais caótico que as avenidas indianas que vemos as vezes na televisão e a gritaria protagonizada pelos feirantes.
- UMA DÚZIA DE LARANJA È UM REAL!
- OLHA A BANANA PRATA, SETE REAL DUAS DÙZIA! QUEM VAI LEVÁ??
- um real o saco de alho, um real o saco de alho.
- OLHA A MANCA ROSATA, TUAS, TOIS REAIS!
Como não tinha obrigação de ficar escolhendo nada, enquanto esperava meu pai, eu ficava atento às chamadas dos feirantes. O cara das laranjas era bem engraçado, dizia ele, além da frase já citada – UMA LARANJA DÁ UM COPO DE SUCO! OLHA O TAMANHO, PARECE UM CÔCO! – ou ainda – LARANJA ASSIM VOCÊ NÃO COMPRA NEM NO MAPPIN!
Eu nem me lembrava que existia uma loja chamada Mappin, e que eu me lembre lá não se vendia esse tipo de mercadoria. De qualquer forma, via-se que o feirante fazia de seu oficio uma diversão, e levava jeito para a coisa.
O homem do alho era um velhinho ambulante, que parecia mais estar fazendo um comentário ultra-secreto com seus botões do que tentando vender os alhos que estavam empacotados em suas mãos. Já o sujeito da manga, apesar de trocar o ´´g´´ pelo ´´c´´ e o ´´d´´ pelo ´´t´´, era o único ali que sabia usar o plural.
Além dos feirantes, inevitável não reparar nos compradores, muitos deles conhecidos meus. Esta feira fica perto de uma casa que eu morava antigamente, há uns 10 anos. Desde que me mudei de lá, raramente ia à esta feira. Mas estavam lá, meu antigo professor de música, a senhora que cantava no coro da igreja, a velhinha que faxinava os corredores de uma escola dos arredores onde estudei da 1ª á 3ª série do fundamental, e tantos outros que eu conhecia só de vista.
É muito mais fácil para alguém reconhecer uma pessoa que passou dos 40 anos para os 50, ou dos 54 para os 64, do outra reconhecer alguém que passou dos 10 para os 20. Por isso acho que reconheci tanta gente e, surpreendentemente, apenas a senhorinha da faxina me reconheceu. Veio falar comigo, perguntar como eu estava, perguntou da familia, inclusive do meu avô, que falecera há 8 anos.
Passam-se tantos anos e as coisas não mudam. Pra dizer bem a verdade algumas mudaram sim: lembro-me que antigamente havia um pessoal que vendiam fitas K7 na feira; hoje eu vi dois ou três sujeitos vendendo DVDs (2 por 5 real). Os pasteis; lembro-me de ficar na duvida cruel (queijo, carne ou pizza, piorando drasticamente quando adicionaram os de frango com catupiry e palmito). Hoje atendem pelos nomes Casal 20 (queijo com carne e azeitona), Carioca (frango com palmito e catupiry), além dos ´´tradicionais´´ de 4 queijos, camarão com catupiry LEGITIMO (afinal de contas hoje em dia tem muito pilantra por aí botando requeijão e dizendo que é catupiry) e vários outros.
Apesar da barulheira, foi uma manhã bastante agradável, nostálgica. O grande prazer de perceber que pode passar o tempo que for, podemos conhecer novos lugares, aprender coisas novas, adquirir nova visão do mundo, e por vezes nos iludirmos achando que entendemos muita coisa sobre tudo, lamentando estar tudo indo para o buraco, mas haverá sempre uma antiga feira para nos lembrar que a essência continua a mesma; na dinâmica das relações, é ali que encontramos sua raiz. E assim, nos proporcionar algum tipo de alívio.

3 comentários:

Unknown disse...

eu amei!!!e eu vou na feira todo sabado , que começa as 5 e termina as 16:00, mas no final o pastel eh o que importa mesmo... uhauahuahua

Unknown disse...

eu acho q é pé de alface mesmo...
e pastel bom de verdade é o de banana do ccs auaiha

Arthur disse...

ja havia lido mas nao comentei!
engraçado como as situaçoes vem a frente!
mto boa! abraço!

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.