terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

À parte o natal

À parte o natal, toda sua simbologia, rituais e tradições sobre as quais certa vez discorri, ficam os pluritemas elementares a qualquer reunião casual entre familiares. Desta vez o natal foi comemorado aqui em casa, numa noite onde houve ausências sentidas, mas também presenças indispensáveis, que protagonizaram situações dignas de nota.

Após a missa, enquanto minha mãe terminava os preparativos para receber os convidados, meu pai e eu fomos de carro buscar uma tia que mora aqui no bairro. A tia Dirce é divertidíssima, sempre falante, narra histórias longas com uma riqueza de detalhes surpreendente, e durante o pequeno trecho da casa dela até a minha, foi nos contanto da nova casa que meu primo (filho dela) havia comprado numa cidade do interior mato-grossense, pormenorizando cômodo por cômodo, numa sequência de relatos que iniciou com “O Marquinho vai ligar pra vocês contando uma surpresa: Ele comprou uma casa!” E assim já nos criando a responsabilidade de forjar uma reação de incredulidade caso esse telefonema viesse a se concretizar.
Na pequena pausa que ela fez, enquanto nos falava sobre algo que ficava entre a porta da cozinha e um determinado corredor, percebeu que o rádio estava ligado (“Uma noite e meia” era a música do momento) e perguntou-nos quem estava cantando. “É a Marina, tia” respondi, no que ela de pronto rebateu “Ah! Marina Monte!! Adoro!”. E continuou estragando a surpresa.
Chegamos em casa e aos poucos os demais convidados também. O tio Dorival antes mesmo de me cumprimentar, indagou pelo violão: “Tá com ele aí? Já, já você pega que se a gente não fizer barulho a turma dorme”. O violão só foi ouvido bem no final da noite, afinal de contas, todos tinham muito o que papear.

Nisso chegaram ainda os últimos convidados, a Tia Mirtes e o Tio Roberto, um tio meu fanático por futebol, que não aparecia por aqui havia anos. Palmeirense roxo, devido ao fiasco do time no campeonato brasileiro, ao adentrar na sala, já avisou: “Sem falar de futebol hoje hein”. No que a tia Mirtes retrucou, dizendo que era impossível ficar ao lado do tio Beto por mais de dez minutos sem falar sobre futebol.
Formaram-se pequenos grupinhos em diferentes cômodos da casa, entre os quais, como bom anfitrião transitei, e pude participar um pouco de cada conversa. No corredor externo estavam o tio Dorival e o Tio Moacir comentando sobre confusões em hospitais. Que o sistema é todo errado e isso gera verdadeiros reboliços nas instituições, citavam ocasiões em que presenciaram confrontos corpo a corpo envolvendo parentes de doentes e funcionários, em meio a argumentos políticos para mudar os rumos da saúde no país. Fiquei pouco por ali; apesar de ter estudado toda a estruturação e lógica do SUS, trocar informações com esses dois visionários dispenderia um tempo precioso, no qual muita outras conversas interessantíssimas deviam estar ocorrendo em outras partes da casa, das quais eu não podia deixar de participar.
Na cozinha, pela qual tive uma pequena passagem, uma das tias estava contando o caso do cachorro do inquilino da casa de trás, que tinha morrido enforcado pela coleira quando tentara pular pela janela. O papo degringolou para uma análise sobre criar ou não criar cães em apartamentos, no meio do qual, quando já estava de saída, ouvi meu pai comentar: “Higienópolis é o bairro de São Paulo com a maior população canina”. Juro que não duvido do teor da informação, mas a cada dia fico mais impressionado com a capacidade que meu pai tem de saber esses tipos de coisa.
Na sala da TV estava a Vó Teresa, em sua cadeira cativa em frente à televisão, que transmitia um documentário sobre a vida marinha, denunciando a um primo meu sua desconfiança de que as blusas que ela ganhara não sei de quem eram de brechó. Fiquei por ali um pouco, me divertindo com o relato das peripécias e tramóias de minha avó com suas amigas da casa de repouso, mas não pude deixar de ouvir quando alguém na outra sala disse “Claro que eu estava lá no estádio!”.

A tia Mirtes realmente tinha razão. Chegando na sala vejo que o tio Beto conseguiu mobilizar boa parte dos parentes num papo futebolístico. Fazia um paralelo entre o fracasso palmeirense deste ano com o campeonato paulista de 1984, quando o time só precisava empatar o último jogo contra a Inter de Limeira no Morumbi e levantaria a taça, mas acabou perdendo. “E o time era tão bom!” se lamentava ele, e prosseguiu com a escalação do elenco todo, incluindo os suplentes.
Claro que não faltaram as conversas triviais sobre o trabalho, a família e as novas doenças que surgem com a idade, os balanços de final de ano, e os planos para o seguinte, conversas que sempre se estendem ou se repetem na semana seguinte, na festa do Reveillon.
Por conta de umas questões paralelas, Tia Nena e seus famosos presentes não compareceram, de modo que a meia-noite não teve lá sua cara de sempre. Brindamos o nascimento do menino Jesus, e em pouco tempo, já que todos estavam devidamente alimentados, começaram a despedir-se.
Alguém tem de tomar a iniciativa, e a saída triunfal da Tia Dirce entrará para os anais de nossas festividades. Estávamos Tia Mirtes, meu pai e eu conversando na sala da frente, quando Tia Dirce surge se despedindo às pressas, dizendo-se vitimada por um repentino desarranjo intestinal e, argumentando só utilizar o banheiro da própria casa para estes fins, colocou definitivamente os banheiros da minha casa no mesmo patamar dos de rodoviária e postos de gasolina.

À parte o natal, no fundo não sobraria quase nada. Até porque na virada do ano muita gente viaja, e a reunião da família perde todo esse potencial de proporcionar situações diversas, por vezes cômicas, por vezes trágicas, ora desagradáveis, ora reconfortantes, e que nos dá uma sensação gostosa quando nela pensamos, não nos deixando faltar a nenhuma edição.

Nenhum comentário:

Seguidores

Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.