sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Coisas de carnaval

O sujeito recupera parcialmente a consciência ao se levantar do vaso sanitário, olha ao redor e não faz a menor idéia de onde está, a bebedeira não permite que ele se preocupe da forma que convém. Sai a passos vacilantes pelo corredor que conduz à sala, onde encontra pessoas que julga comporem uma família. No que ele planeja ser uma simples tomada de fôlego para empregar solenidade ao que gostaria de dizer, consegue fazer um combo homérico iniciado com um soluço na inspiração e, provavelmente devido a uma tentativa retardada de conter o gesto anterior, um peido e um arroto simultâneo na expiração. Completa a seqüência com “Pode não parecer, mas eu sou médico”.
Situações assim só conseguem ser protagonizadas por aqueles que realmente compreendem o que é o carnaval. Há os que preferem o sossego, aproveitar o feriadão pra descansar de um ano que no fundo ainda nem bem começou. Mas sobre não gostar do samba e da folia, um dos nossos maiores entendedores do assunto já desvendou o mistério: “Quem não gosta de samba bom sujeito não é”. Diagnósticos diferenciais: “1) Ruim da cabeça ou 2) doente do pé”.
Este ano quase fui impedido de aproveitar o carnaval por conta de um cálculo renal. Ainda que devidamente medicado, diziam-me os médicos “isso pode complicar, o Rio é um lugar que você não conhece, aqui você tem toda assistência, não deve viajar de jeito nenhum etc”. Entretanto meu argumento era mais forte “mas é carnaval!”. E fui.
Pra quem há 2 anos quebrou o pé caindo de um barranco na primeira noite de folia e passou o resto dos dias com o pé imobilizado e sem muletas, pulando o carnaval feito saci, (há quem imaginasse ser uma fantasia), uma pedra no rim não parecia representar um grande problema.

Relembrando aqui, se fosse contar todas as histórias que vi ou vivi nos carnavais, dava um livro. Pessoal dando cambalhota toda vez que saia do metrô, chutado chinelo de gordinha ladeira abaixo porque tava ela regulando beijo, queimando o braço da moça com bituca de cigarro no meio do xaveco, abandonando amigo bêbado em cidade desconhecida na volta do carnaval (esse era realmente impossível trazer de volta), entre outras impublicáveis.
Sou capaz que afirmar que o carnaval comporta os dias mais importantes do ano. A satisfação de estar com os amigos e aproveitar ao máximo, como se não tivesse todo um ano de compromissos chatos esperando logo a seguir é impagável. Nem precisa ser tão simpatizante do samba. Lá no Rio tinha bloco que tocava Beatles, Raul, Mutantes, ouvi até Legião Urbana. Nada melhor do que ver uma multidão de gente se divertindo, dobrar uma esquina e ler na placa: Rua Vinícius de Moraes. Esse gostava de uma farra, certamente estava abençoando a bagunça. Saravá!
Foi neste dia, voltando de Ipanema, que resolvi que escreveria esta crônica. O metrô de lá fica num complexo batizado com o nome do maior cronista brasileiro: Rubem Braga. E adentrando o prédio, na parede oposta a quem entra, depara-se logo com um texto de outro grande escritor, o Ruy Castro. Nada como estar semi-bêbado (se estivesse bêbado teria esquecido) e prometer aos mestres: essa vai pra vocês.
(E também a todos os amigos que sabem a importância do carnaval e sempre fazem valer a pena).

Um comentário:

Gustavo Chami disse...

Como sempre, muito bem escrito. Bateu até uma dorzinha de ter sido do grupo que (quase) fugiu do carnaval.
Abraços!

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.