- Pois é, minha filha! Levou um tombo, quebrou a costela,
deu hemorragia...foi terrível! Isso, minha sogra!...
Eu lia
o “Clube da Luta” dentro de um ônibus que subia a Av. Angélica, as 7h15 da
manhã, rumo ao meu estágio em geriatria no Hospital das Clínicas, quando
percebi uma senhora bonachona narrando em alto e bom som, pelo celular, uma
pequena tragédia doméstica que acometera sua sogra.
Há um
segundo atrás Tyler Durden dizia que há uma categoria de homens e mulheres
jovens e fortes que querem dar a própria vida por algo. Mas que a propaganda
faz essas pessoas irem atrás de carros e roupas de que não precisam. E que
gerações tem trabalhado em empregos que odeiam para poder comprar coisas de que
realmente não precisam. Que não temos uma grande guerra em nossa geração, ou
uma grande depressão, mas na verdade temos, sim, uma grande guerra de espírito.
Temos uma grande revolução contra a cultura. E a depressão é a nossa vida.
Mais um
pouco a senhora bonachona trocou de assunto e falava sobre alguma coisa que
envolvia “ciclos de amaciante”, e que “por favor, não esqueça de estender as
cuecas do meu marido, que ele anda sem, e se esquecer, amanhã não vai ter o que
usar”.
Ler no
ônibus, ainda mais numa cidade como São Paulo, é a melhor coisa que se tem a
fazer. É um paradoxo muito grande estar lendo “Elogio à Loucura”, ou uma
biografia do Che Guevara e parar por uns segundos pra reparar nos seus
companheiros de coletivo. O que será que essa galera tá pensando. Dá pra viajar
legal analisando o cenário.
Aprendi
isso quando fazia cursinho, e subia aquela mesma Av. Angélica, para aprender
uma porção de coisas que nos é cobrada para que passemos numa prova e vá
aprender outras porções de coisas que nos darão condição de trabalhar em empregos
que imaginamos que seja o melhor que podemos fazer. Hoje subo a Av. Angélica para
aprender a tratar de velhos, o que, de fato, talvez seja o melhor que possa
fazer.
Olho em
volta e vejo uma montoeira de gente de olhar vago, ainda acordando, todos em
silêncio, (menos a senhora bonachona, que depois de quase quinze minutos de
conversa, se despede da pessoa do outro lado da linha; mas não podemos
culpá-la, já que a tarifa é de 25 centavos por ligação), como disse o Tyler, indo
trabalhar em funções que detestam, ou não. Simplesmente, “era o que tava tendo”.
E nós? Doamos sangue,
reciclamos lixo, escrevemos alguma citação bacana no mural do Facebook e
achamos que estamos fazendo nossa parte. E no grosso da coisa, continuamos
perseguindo os ideais da propaganda. “O meu sonho de consumo (FAIL!) é dirigir
uma Lamborghini e ter uma casa em Jurerê, ou em Alphaville”. Como diz o grande
Milton Leite: “Que beleeeza”!
Daqui
uns anos estaremos as 7h15 da manhã, de cara amarrotada, olhar vago, num
coletivo ou numa Lamborghini, pensando, quem sabe, em um dia ir trabalhar de helicóptero.
E ter uma casa em Miami. Viver é isso, então?
“Advice for the Young at heart: Soon you Will be older. When you gonna make it work?” (Tears
for fears, boa banda dos anos 80)
2 comentários:
Grande fumaca. Cada vez que leio seus escritos vejo muito de voce, e realmente tenho saudade dos luais em canas, das madrugadas a dentro e risadas sem fim e ateh das corridas na beira mar.. Seguindo rigorosamente o prag! Obrigado por nos dar mais uma oportunidade pra pensar se o q vivemos eh felicidade. O que vivi sim, verdadeiro. Um grande abraco. Pena q vc nao estara em floripa nessa semana.
Caro Pedro! Importante. É sempre muito agradável ler seus textos.
Ótimo entrelace da reflexão filosófica em meio aos fantásticos acontecimentos do cotidiano, já marca registrada da sua escrita.
Leve, otimista e inteligente. Bem legal mesmo, cara.
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