quarta-feira, 8 de maio de 2013

Os dentistas e a arte do diálogo

(uma homenagem bem-humorada aos amigos odontólogos)


Há uma forma bastante segura de vencer todos os debates: ser dentista (e debater somente enquanto exerce seu ofício). Na verdade “debater” talvez não seja o termo mais adequado. Refraseio: Há uma maneira muito segura de que todos concordem com suas opiniões.
Ir ao dentista é motivo de sofrimento, nos mais variados graus, a todos, ou quase todos os seres humanos. Há quem pense que, se houvesse fábulas mitológicas modernas, daquela que envolvem castigos celestiais, como o do Prometeu e da águia, um dos castigos mais severos seria algo do tipo “terás urgências odontológicas semanalmente”, e aí, a cada extração de siso brotaria outro no lugar quase espontaneamente, mais torto do que nunca, obrigando eternas visitas ao dentista.
                
Pois bem, você deita na cadeira, abre a boca e a partir dali, um abraço. O profissional com o rosto a um palmo de você pode falar o que ele bem entender; da pior asneira do mundo, às mais sectárias das opiniões sobre o assunto que for, que você será obrigado a concordar (enfaticamente) com tudo. Com pinças, espelhos e outros aparatos com barulhos altamente ansiogênicos de um lado e um caninho aspirador do outro, o máximo que você consegue dizer é uhuuum ou mmm-mmm. Sugiro um prolongamento caprichado nos “ús” do uhum, porque caso ele seja confundido com mmm-mmm, as consequências podem ser devastadoras.
Se você discordar do dentista, gerará nele, mesmo que inconscientemente, um mal-estar inespecífico, que repercutirá de alguma forma nos movimentos de sua mão, por ora portando objetos capazes de te causar um desconforto bem considerável. Qualquer sinal de negativa pode gerar um jato de bicarbonato na úvula, e se o dentista estiver muito despreparado para a discordância, até mesmo na narina ou nos olhos. Sem mencionar os golpes com aquele aparelho ultrassonográfico removedor de tártaro (zzzzzzzzzzzz), na gengiva, ou em outros pontos estratégicos mais dolorosos que só eles entendem.
Ao menos, geralmente temos ao nosso lado (física e moralmente) a auxiliar do dentista, que fica segurando o caninho aspirador de saliva, e que toda vez que a gente perde a cabeça e tenta formular frases complexas, vai até uma poça de saliva nalgum recôndito da cavidade bucal e com um sonoro ssshhhhlllllrrrrrr nos devolve o juízo e a sobrevida dos incisivos e molares.
                
E com posições e opiniões tão firmes e corretas (reforçadas constantemente por nós) eles seguem de maneira bastante segura as limpezas profiláticas, extrações dentárias, restaurações e afins. É um jogo onde ambos saem ganhando. A arte da odontologia é uma massagem no ego movida a concordâncias obrigatórias ao passo que nos alivia de problemas que, apesar de estarem restritos à cavidade bucal, nos faz perder a paciência, o sono, o juízo, e as vezes até mesmo os dentes.
Aí você sai do consultório, passa pela sala de espera, onde sempre está tocando Phil Collins ou algum jazz bem baixinho; a secretária com o sorriso cordial de “até logo”, e encara os próximos pacientes, que sofrem por antecipação, confundindo o zumbido do ouvido com o “zzzzzzzz” infernal do “removedor de tártaro”, e abre um sorriso meio sarcástico. Um misto de alívio, divertimento e até empatia, pois já passou; e eles, com mais ou menos uhuuums, também passarão.

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.