Lá em Sombrio eu atendia uma média de 25 a 30
pessoas por dia. E a coisa que eu mais tinha de escrever era a data nos
receituários. Isso me fazia ver o tempo passando. E passava rápido, porque o
trabalho era bom. Nada (ou quase nada) era automático e cada consulta uma
oportunidade nova de aprender e ensinar.
Conheci
o verdadeiro poder da vontade, poder esse que pode passar desapercebido por
toda uma vida, sem nem desconfiar que temos. Pacientes que chegaram a mim
fumando 60 cigarros por dia e, mesmo em meio a conturbados contextos
familiares, conseguiram parar de fumar. Os que emagreceram da forma correta, as
que tiveram coragem de largar o emprego, as que se deram chance a novos
relacionamentos após os 50 ou 60 anos. Os que entenderam que as coisas são como
são, e não como a gente quer. Mas mesmo assim, há coisas que dependem da gente,
e outras não.
Por trás disso tudo, eu entendi que de tudo o
que eu fazia, aquilo que mais ajudava, o que mais fazia sentido e diferença, não
dependia de eu ser ou não ser médico. As pessoas podem ajudar a mudar a vida umas das outras a qualquer momento.
O fato de você desejar bom dia, apertar com
vontade a mão de quem lhe responde, sorrir e olhar diretamente nos olhos pode
causar um impacto extremamente positivo. Mostrar interesse e atenção é
fundamental, mas até aí nenhuma grande novidade. Conheci duas grandes armas que
mudam o dia, e talvez a vida das pessoas com quem a gente convive, e como
expus, não precisa ser médico para usar.
Trata-se da capacidade de elogiar e de confiar.
Experimente. Veja, quando, seja de forma particular ou pública, você elogia
alguém. Ressalta suas virtudes, diz-lhe o quão importante ela é para os outros,
para si, e para ti. Mostre pra ela quantas pequenas boas coisas ela faz durante
o dia, e durante a vida, mas que passam desapercebidas pois o foco está sempre
voltado para qualquer outra coisa.
Pegue todas essas virtudes, e deposite sua
confiança nelas. Olhe fundo nos olhos e diga “Você é um pessoa muito boa, gosto
de você e confio em você. Vai fundo que eu tenho certeza que você consegue.” Ou
ainda “Vamos conseguir juntos”.
Não tenha medo de se aproximar das pessoas, é
possível ser afetuoso de forma muito respeitosa em qualquer relação. A medicina
nada mais é do que uma relação interpessoal dentro de um contexto. Não é
possível realmente fazer a diferença na vida de alguém sem envolver-se com ela.
Se, no fundo, você imagina que alguma pessoa
não tem absolutamente nenhuma virtude (o que só pode ser uma ilusão, e nos
iludimos com frequência) tente pensar não no que a pessoa é, mas sim no que ela
pode vir a ser. Gosto de pensar assim com relação ao mundo: Não aprecio muito o
jeito em que ele se encontra, mas gosto muito do jeito que eu imagino que ele
possa vir a ser. E por isso faço questão de trata-lo bem, e tentar melhorá-lo a
cada dia, tendo em mente que melhorá-lo é melhorar a mim e ajudar os outros a
fazer o mesmo.
3 comentários:
O que você escreve é um sonho!Lindo
Gostaria de saber se você é do planeta Terra? Pois ele é tão hostil!
O mundo é cruel!
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