Eu tinha oito anos quando meu
primo Inha (Cesar – Cesinha – Inha) apareceu lá em casa com o CD “Dois”, da
Legião. Inha, cinco anos mais velho, era uma referência (ainda mais dos oito
para os treze). Lembro que colocou direto “Eduardo e Mônica” (faixa 4), que eu
achei o maior barato. Divertiu-me muito a história do rapaz que ia pra aulinhas
de inglês, gostava de novela e jogava futebol de botão com seu avô, e da moça
que tinha tinta no cabelo, e do encontro em que ela foi moto e ele de “camelo”.
Gostei
tanto que comprei (meus pais compraram) o CD por causa da música, nas Lojas
Americanas. Tive o CD por quatro anos, até que troquei com a menina “que eu
gostava” (era assim como nos referíamos às paixões platônicas de outrora), pelo
CD “Só no Forevis” dos Raimundos. Fazia sentindo: eu assistia MTV, que ajudou
no estouro comercial da banda (que de fato teve momentos inspirados) e afinal,
qualquer coisa fazia sentido na aproximação com a menina “que a gente gostava”.
Vinte
anos depois (semana passada) resolvi ter novamente o álbum “Dois”. Com uma
vitrola e um iPhone, minha dúvida era se garimpava um vinil no sebo ou baixava
o álbum no iTunes. Optei pelo segundo, porque queria ir ouvindo o som no carro
indo para o trabalho (desculpa de preguiçoso). Mas ainda vou comprar o bolachão
também.
Neste hiato
passei a ouvir outras faixas: “Tempo Perdido”, “Índios”, “Quase sem querer”,
fase em que aprendi a tocar o violão que meu pai nunca tocou, mas cuja
existência descobri lá em casa. Guardado num case cheio de revistinhas com
várias músicas da própria Legião, significou o passo inicial de um hobby que
ainda mantenho. Nesse hiato surgiram para mim várias histórias e cenários. Surgiu
George Orwell, Tcheckhov, Epicteto, Graciliano Ramos, Woody Allen (Godard,
Mutantes e Rimbaud também); surgiu a medicina, a filosofia, a Amazônia,
Islândia, Egito, Bolívia, pessoas incríveis, e com tudo isso, surgiu também uma
nova percepção do mundo.
Interessante
transitar por passado e futuro, perceber-se mudado, ouvir “Eduardo e Mônica” e achar
graça da graça que se achava; gostar mais de pensar “se existe razão nas coisas
feitas pelo coração”, e imaginar se aos quarenta e oito isso será motivo de
graça também.
As
possibilidades são infinitas, e paradoxalmente aceitamo-las cada vez menos. O
perigo que sempre se aproxima é imaginarmos que é chegada a hora da versão
definitiva de nós mesmos, e do que entendemos do mundo. Distanciar-se disso
exige coragem e autoconhecimento (conhecer-se é saber-se não definitivo). O
trânsito entre inocência e a viagem na maionese é menos danoso do que a percepção
de que se tem tudo nas mãos, inclusive a verdade. Curioso: quando conversamos
com os ditos “donos da verdade” umas das frases que mais ouvimos é “isso não
pode”. Quando se é simples de coração, a única coisa que não pode é ser
infeliz.
(“...E quem irá dizer que não
existe razão”)
Um comentário:
Filho estava com saudades de suas escritas.
Belo texto, como você diz: "...transitar pelo passado e futuro..." e assim se faz o presente.
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