domingo, 13 de setembro de 2015

Dois (1995 - 2015)


                Eu tinha oito anos quando meu primo Inha (Cesar – Cesinha – Inha) apareceu lá em casa com o CD “Dois”, da Legião. Inha, cinco anos mais velho, era uma referência (ainda mais dos oito para os treze). Lembro que colocou direto “Eduardo e Mônica” (faixa 4), que eu achei o maior barato. Divertiu-me muito a história do rapaz que ia pra aulinhas de inglês, gostava de novela e jogava futebol de botão com seu avô, e da moça que tinha tinta no cabelo, e do encontro em que ela foi moto e ele de “camelo”.

                Gostei tanto que comprei (meus pais compraram) o CD por causa da música, nas Lojas Americanas. Tive o CD por quatro anos, até que troquei com a menina “que eu gostava” (era assim como nos referíamos às paixões platônicas de outrora), pelo CD “Só no Forevis” dos Raimundos. Fazia sentindo: eu assistia MTV, que ajudou no estouro comercial da banda (que de fato teve momentos inspirados) e afinal, qualquer coisa fazia sentido na aproximação com a menina “que a gente gostava”.

                Vinte anos depois (semana passada) resolvi ter novamente o álbum “Dois”. Com uma vitrola e um iPhone, minha dúvida era se garimpava um vinil no sebo ou baixava o álbum no iTunes. Optei pelo segundo, porque queria ir ouvindo o som no carro indo para o trabalho (desculpa de preguiçoso). Mas ainda vou comprar o bolachão também.


Neste hiato passei a ouvir outras faixas: “Tempo Perdido”, “Índios”, “Quase sem querer”, fase em que aprendi a tocar o violão que meu pai nunca tocou, mas cuja existência descobri lá em casa. Guardado num case cheio de revistinhas com várias músicas da própria Legião, significou o passo inicial de um hobby que ainda mantenho. Nesse hiato surgiram para mim várias histórias e cenários. Surgiu George Orwell, Tcheckhov, Epicteto, Graciliano Ramos, Woody Allen (Godard, Mutantes e Rimbaud também); surgiu a medicina, a filosofia, a Amazônia, Islândia, Egito, Bolívia, pessoas incríveis, e com tudo isso, surgiu também uma nova percepção do mundo.

                Interessante transitar por passado e futuro, perceber-se mudado, ouvir “Eduardo e Mônica” e achar graça da graça que se achava; gostar mais de pensar “se existe razão nas coisas feitas pelo coração”, e imaginar se aos quarenta e oito isso será motivo de graça também.

                As possibilidades são infinitas, e paradoxalmente aceitamo-las cada vez menos. O perigo que sempre se aproxima é imaginarmos que é chegada a hora da versão definitiva de nós mesmos, e do que entendemos do mundo. Distanciar-se disso exige coragem e autoconhecimento (conhecer-se é saber-se não definitivo). O trânsito entre inocência e a viagem na maionese é menos danoso do que a percepção de que se tem tudo nas mãos, inclusive a verdade. Curioso: quando conversamos com os ditos “donos da verdade” umas das frases que mais ouvimos é “isso não pode”. Quando se é simples de coração, a única coisa que não pode é ser infeliz.

             (“...E quem irá dizer que não existe razão”)

Um comentário:

Unknown disse...

Filho estava com saudades de suas escritas.
Belo texto, como você diz: "...transitar pelo passado e futuro..." e assim se faz o presente.

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.