quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Para contar para os netos

(Dando sequência à série "Ensinamentos da melhor idade" - e que não me leiam Rubem Alves ou Woody Allen que, quase octagenários, afirmam que ainda não descobriram o que há de tão bom nesta fase da vida - posto aqui uma crônica anciã, a primeira que escrevi quando resolvi me enveredar por tal atividade, e que já está quase fazendo seu primeiro aniversário)


Chegamos em cima da hora: 15h32. Meu pai e eu adentramos e nos sentamos nos assentos por nós comprados e uma voz feminina no alto-falante já apresentava a atração, a expressão máxima da ala feminina da jovem guarda, Wanderléa.
A banda inicia a primeira canção e a voz de Wanderléa nos dá o ar da graça antes de sua presença física, e nisso já se ouvem animados aplausos e saudações. Eu procurando me ambientar faço o mesmo e aproveito também para reparar nos meus colegas de platéia. Noto que sou, por uma margem segura de três décadas, a pessoa mais jovem do lugar. E a conta é feita tendo por base meu pai, pois sem ele por ali poderiamos somar à conta pelo menos uma década sem causar prejuízo à veracidade da descrição.
Para quem não conhece o teatro do Sesc Pompéia, ajudo na vizualização geográfica: Existem duas platéias, a par e a ímpar, sendo que uma fica de frente à outra com o palco no meio, e paredes de tijolo nas laterais do palco fechando seu formato retangular. Assim sendo, o artista ora olha pra platéia par, dando as costas para a ímpar, ora faz o inverso.
Desta forma, caso Wanderléa tenha sido imparcial, o que de fato me pareceu, fiquei metade do tempo vendo suas costas, o que devo assumir era uma visão surpreendentemente agradável, haja vista ter a cantora já ultrapassado a conta dos sessenta. No entanto durante as investidas de Wanderléa em direção à plateia oposta, eu também aproveitava para dedicar minha atenção às pessoas que a compunha.
O que eu via não me deixava dúvidas de que ao menos três ou quatro asilos, ou casas de repouso resolveram mobilizar-se e levaram seus moradores para ver o show de, possivelmente, uma das maiores referência de suas juventudes. Seja ela referencia comportamental, de beleza ou ambas.
E como se divertiam as velhinhas! (haviam também velhinhos, porém em número bem diminuto) Cantavam quase todas juntas, não erravam uma frase sequer, pediam músicas, conversavam com Wanderléa no intervalo das canções, queriam ser notadas pela ídola, queriam ser como ela, mas era nítido que os muitos anos que separaram a jovem guarda do presente momento foram mais impiedosos para as fãs do que para a ídola.
Enquanto Wanderléa esbanjava beleza, suingue, sensualidade (sim, sensualidade) no ´´auge´´ de seus sessenta e poucos, vez ou outra podia-se ver uma senhorinha ou outra levantando de seu assento, pegando a bengala, ou andador, e dirigindo-se ao banheiro. Que contraste!
Mas não fiquei triste. Confesso não conhecer a fundo o trabalho da Wanderléa, mas durante o show pude notar ser ela uma senhora muito descente, dedicada a seu público, e imaginei que tenha sido uma boa referência quando de sua maior exposição na mídia. Muito melhor do que muitos dos novos ídolos que aí estão.
Boa cantora, banda muito eficiente, um ´´show nostalgia´´; Até eu conhecia pelo menos metade das canções. Uma tarde para mim muito agradável, que dirá para o resto do público. Mas não iria passar sem um clímax. A última música do show foi aquela sobre um casamento, em que chega uma moça e pede que o juiz pare, e coisa e tal. Havia junto às garrafinhas d´agua que Wanderléa bebia no intervalo das músicas, um buque de flores, que julgava eu ser apenas um objeto decorativo. Não era.
Como nas festas de casamento, Wanderléa, acredito que num ritual típico de seus shows, jogaria o buquê para as mulheres, e aquela que o apanhasse, segundo uma das lendas mais antigas de que se tem notícia, seria a próxima vítima do matrimônio. Nisso começa um ligeiro tumulto causado pela pequena multidão de senhoras que se dirigem para perto do palco, afim de tentar agarrar o buque. Um verdadeiro desfile de cabelos brancos, bengalas, oclinhos garrafais e um entusiasmo surpreendente. O problema é que havia duas platéias, a par e a ímpar, e Wanderléa não sabia o que fazer.
Antes que ela tivesse que tomar uma decisão deveras parcial para a ocasião (imaginem se ela escolhesse uma das platéias em detrimento da outra, que frustração causaria em metade das pobres velhinhas), apoiando a mão direita na coluna lombar, a passos vacilantes, uma senhora de chapéu de praia, toda de branco e óculos escuros sobe no palco e, naquele ritmo típico da jovem guarda, começa a dançar com a cantora.
Parecia filme, foi fantástico, ela remexia e apontava os indicadores para Wanderléa, numa dança que deve ter sido moda fim dos anos 60, arrancou efusivos aplausos e assovios da platéia, e certamente deixou muita gente com inveja. Pelo menos a mim deixou.
Claro que não por ter levado o buque da Wanderléa, e nem por ter dançado com ela, mas por sua coragem, sua presença de espírito, por sua mentalidade de "dane-se tudo, que pensem o que quiserem". Não sei se esse tipo de coisa vem com a idade, ou se vai com a idade, acho que depende de cada um. As vezes nas rodas de amigos ficamos conversando sobre curtir a vida, sobre ter histórias pra contar para os netos, como se só na juventude é que pudéssemos fazer loucuras, nos aventurar, botar tudo a perder, "passar carão" e depois de muitos e muitos anos, quando o neto vier nos visitar, possamos chegar para ele e dizer "meu neto, quando eu era jovem..."
Sai de lá com a vontade de que daqui uns 50 anos, estivesse eu na frente de meu neto, e depois de pedir-lhe que pegasse uma cervejinha no congelador, ele sentasse à minha frente e eu, como certamente fez aquela senhora depois de alguns dias, pudesse dizer "meu neto, você não sabe o que eu fiz essa semana...".

5 comentários:

Anônimo disse...

Muuuuuuuuuuuuito bom!!!Amei sua estória. Parabéns!!!

Camilinha disse...

Pois então, eu acho que as cronicas de q eu mais gosto são essas que falam de velinhos e velhinhas hahaha

beijos!

Lais Laura disse...

Pedro querido. Adorei!
Tenho maior carinho pelas pessoas nascidas há mais tempo. Ainda por se tratar de pessoas que vivem a vida sem medo de ser feliz, com muita ousadia e espírito jovem.

Parabéns!

Beijos

Lais Laura

Arthur disse...

HAHA!
Acho que já tinha ouvido falar sobre esta historia! Muito legal e bem escrita!

Abraço, Pedrão!

Anônimo disse...

Com o passar do tempo perdemos a timidez, o medo. Temos vontade de nos expressar. Temos vontade de jogar tudo para o alto e simplesmente viver a vida intensamente. Hoje não me importo mais com o que as pessoas pensam de mim. O que importa é o que sou!

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.